Pesquisas
nas florestas tropicais do Novo Mundo revelaram um importante mutualismo entre
os dançarinos (família de pássaros Pipridae) e as árvores e arbustos
da família Melastomataceae. (Mutualismo é o relacionamento entre dois
grupos de organismos, que traz benefícios para ambos).
No caso discutido neste
artigo, as plantas fornecem alimento (frutos) aos pássaros, e cada fruto contém
várias minúsculas sementes. Os pássaros engolem as frutas inteiras (inclusive
as sementes) e digerem a polpa. Porém, muitas das minúsculas sementes passam
intactas pelo sistema digestivo dos pássaros. Em seguida, quando os dançarinos
regurgitam ou defecam as sementes a longas distâncias das plantas-pai, as
plantas se beneficiam da dispersão de suas sementes em novos locais, onde
geralmente há uma maior chance de germinação e sobrevivência. Portanto,
tanto os dançarinos como as plantas da família Melastomataceae (melastomas)
se beneficiam desta interação.
Os
dançarinos são uns dos pássaros mais abundantes no sub-bosque das florestas
tropicais em baixas elevações da América do Sul, Central e do México. A
abundância desses pássaros advém do fato de que se alimentam quase
exclusivamente de uma fonte de alimento extremamente farta e fácil de encontrar:
os frutos das árvores e arbustos, especialmente os da família Melastomataceae,
que existem floresta (Krijger et al., 1997; Loiselle & Blake 1999; Silva & de Melo 2011).
Thery (1990) estudou os hábitos
alimentares de seis espécies de dançarinos nas florestas tropicais da Guiana
Francesa, e constatou que os frutos da Melastomataceae constituíam mais
de 50% da dieta de cada uma das seis espécies (Tyranneutes virescens,
Manacus manacus, Corapipo gutturalis, Pipra pipra, Pipra erythrocephala, Pipra
serena).1
Na mesma área, Thery (1990) também
estudou a retirada dos frutos de 20 árvores e arbustos diferentes da família Melastomataceae
pelos pássaros durante um dia, e constatou que os dançarinos retiraram de 61 a
89% dos frutos dessas plantas. Os dados apresentados por Thery demonstram
claramente a importante função dos melastomas como fonte de alimento dos dançarinos
e, da mesma forma, a importante função dos dançarinos ao se alimentarem dos
frutos dessas plantas.
Worthington
(1989) estudou a passagem de sementes pelo sistema digestivo de duas espécies
diferentes de dançarinos (Pipra mentalis e Manacus vitellinus).
Constatou que esses pássaros geralmente defecavam pequenas sementes num
intervalo de 12 a 15 minutos depois de se alimentarem e regurgitavam grandes
sementes de 7 a 9 minutos após a ingestão.
Segundo Thery (1990), a extração de frutos em grande escala pelos dançarinos,
bem como o fato de muitas sementes passarem rapidamente por seu sistema
digestivo intactas, sugere que os dançarinos têm uma função importante na
dispersão dos melastomas nas florestas tropicais do Novo Mundo.
Dispersão
de Sementes pelos Dançarinos
Os
diferentes sexos e grupos etários dos dançarinos parecem diferir na maneira
como dispersam sementes. Os machos adultos não participam da construção de
ninhos, nem da criação dos filhotes. Eles passam a maior parte da vida se
exibindo nos locais de corte na floresta, e regurgitam e defecam a maior parte
das sementes que ingerem nesse local. Em contrapartida, as fêmeas de dançarinos
constróem o ninho e criam os filhotes, portanto passam a maior parte do tempo
no local do ninho durante a reprodução. Após a reprodução, entretanto, as fêmeas
e os dançarinos quase adultos vivem pela floresta e, consequentemente, podem
ser mais importantes do que os machos na dispersão dos melastomas na floresta (Krijger
et al., 1997).
Krijger
et al. (1997) estudaram a dispersão de sementes nos locais de corte do dançarino-de-garganta-branca
(Corapipo gutturalis) na Guiana Francesa. Eles coletaram amostras de solo
onde os machos empoleiravam-se nos locais de corte, e as compararam com amostras
de solos retiradas de um local com vegetação semelhante a 50 metros de distância.
Constataram que a densidade total de sementes viáveis no solo era duas vezes
maior sob os locais de corte do que na floresta adjacente.
Além disso, a densidade das sementes das plantas da família Melastomataceae
era duas vezes maior embaixo dos locais de corte do que na floresta adjacente.
Krijger e seus colaboradores concluíram que, pelo fato de bancos de sementes no
solo e sua composição de espécies poderem ser fatores importantes nas fases
iniciais de regeneração da floresta, a grande densidade de sementes viáveis,
especialmente sementes de plantas da família Melastomataceae, durante a
corte do dançarino-de-garganta-branca, pode influenciar o potencial de regeneração
da floresta nesses locais.
Outro
pássaro que se reproduz em locais de corte, o galo-da-serra (Rupicola
rupicola) altera a flora e a vegetação nesses locais através dessa
dispersão de sementes (para obter detalhes, consulte o artigo especializado:
Ecologia do Galo-da-Serra). Até o momento, isso não foi constatado nos locais
de corte de dançarinos (apesar de apenas alguns locais terem sido analisados).
Talvez a explicação para isso seja que os locais de corte do dançarino
geralmente estão localizados na mata fechada, enquanto os melastomas geralmente
germinam melhor sob condições em que o solo recebe luz solar em abundância
(Ellison et al., 1993; Krijer & Opham, 1995). Portanto, ao depositar os
melastomas na mata fechada, os machos de dançarino podem estar, na verdade,
prejudicando a dispersão dessas sementes, lançando-as em locais onde não serão
capazes de germinar.
Entretanto, se uma ou mais árvores caírem no local de
corte, criando uma abertura na mata e fazendo com que a luz direta do sol atinja
o solo, essas sementes de plantas da família Melastomataceae germinarão
e, sob essas condições, espera-se que o comportamento de corte dos dançarinos-macho
aumente a quantidade de plantas da família Melastomataceae no local de
corte (Krijger et al., 1997). Em contrapartida, o galo-da-serra é
geralmente um frutífero que se alimenta de frutas de uma grande diversidade de
plantas da floresta. Pelo fato de consumir uma grande variedade de sementes de
plantas, inclusive muitas das espécies de plantas que não necessitam que luz
solar para germinarem, há uma maior probabilidade de o galo-da-serra macho
alterar o número e a diversidade de espécies de plantas nos locais de corte
com más condições de iluminação do que os dançarinos machos (Krijger et
al., 1997).
Plantas
da Família Melastomataceae
Concluímos
este relatório com alguns comentários sobre as árvores e arbustos que
fornecem a maioria dos frutos de que os dançarinos se alimentam. A Melastomataceae
é a sétima maior família de plantas com floração, com aproximadamente 5000
espécies (Renner 1989). Ocorre nos trópicos do Velho Mundo, bem como no Novo
Mundo, apesar de três-quartos de todas as suas espécies ocorrerem nas
florestas tropicais do Novo Mundo. São comuns desde o nível do mar até o pico
das montanhas (Gleason, 1932).
Uma grande diversidade de espécies de pássaros
se alimentam dos frutos da Melastomataceae além dos dançarinos e, em
geral, essas plantas são reconhecidas como uma das fontes de alimento mais
importantes de pequenos pássaros frugívoros em geral (Stiles e Rosselli,
1993). Nas florestas tropicais, onde os dançarinos são um dos pássaros mais
numerosos, eles parecem ser os dispersores mais importantes de melastomas.
Entretanto, os tangarás (Thraupidae) também são importantes e, em
florestas de elevação média, substituem os dançarinos como os mais
importantes dispersores de melastomas (Stiles e Rosselli, 1993).
Nas florestas
tropicais de Trinidad, Snow (1965) estudou 19 espécies de árvores e arbustos
de Miconia, um gênero da Melastomataceae. Cada espécie produzia
frutos durante uma estação do ano específica, e nenhuma espécie frutificou
durante todo o ano. Entretanto, as estações de frutificação de todas as
dezenove espécies juntas cobriam o ano inteiro. Snow sugeriu que essas várias
espécies de Miconia competem entre si pelos serviços dos dispersores
animais como os dançarinos e, para reduzir a concorrência entre si por
dispersores, elas segmentaram o mercado de dispersores fornecendo frutos em
diferentes épocas do ano.
Aliada a esta idéia, está a teoria de que a maior
segmentação do mercado de dispersores de frutas por plantas frutíferas levou
à evolução de mais espécies de plantas que produzem fruto. Por exemplo, um
estudo recente de Charles-Dominique (1993) constatou que gêneros de plantas
lenhosas como a Miconia, que produzem frutos dispersados por animais frutíferos
especializados como os dançarinos, tendem a possuir mais espécies do que os gêneros,
cujas sementes não são dispersadas por animais. Para
obter informações
adicionais sobre as estações
de frutificação
da Miconia, consulte Poulin et al. (1999).
Notas
de rodapé
1.
Thery (1990) também estudou uma sétima espécie (Schiffornis turdina),
e constatou que os frutos da Melastomataceae perfaziam de 25 a 28% de sua
dieta. Entretanto, há controvérsias sobre esta sétima espécie (popularmente
conhecida como o "dançarino paraulata"), porque muitos ornitólogos não
acreditam que seja um dançarino. As classificações modernas de pássaros,
baseadas em mapeamento de DNA, classificam-no como papa-moscas do Novo Mundo em
vez de dançarino (Sibley e Monroe, 1993; Monroe e Sibley, 1997).
Referências
Charles-Dominique
P (1993) Speciation and coevolution: an interpretation of frugivory
phenomena. Vegetatio 107/108: 75-84.
Ellison
AM, Denslow JS, Loiselle BA, Brenes MD (1993) Seed and seedling
ecology of Neotropical Melastomataceae. Ecology 74: 1733-1749
Gleason
HA (1932) A synopsis of the Melastomataceae of British Guiana.
Brittonia 1: 127-184.
Krijger
CL, Opdam M (1995) Consequences of dispersal of Melastomataceae
seeds towards manakin leks. Unpublished Thesis #95-11.
Department of Forestry, Wageningen Agricultural University.
Krijger
CL, Opdam M, Thery M, Bongers F (1997) Courtship behaviour of
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Loiselle BA, Blake JG (1999) Dispersal of
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Monroe BL, Sibley CG (1997) A World Checklist of Birds.
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Poulin
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CG, Monroe BL (1993) Distribution and Taxonomy of Birds of the
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Silva AM, de Melo C (2011) Frugivory and seed
dispersal by the Helmeted Manakin (Antilophia galeata) in forests of the
Brazilian Cerrado. Ornitologia Neotropical 22: 69-77
Stiles
FG, Rosselli L (1993) Consumption of fruits of the Melastomataceae
by birds - How diffuse is coevolution? Vegetatio 108: 57-73
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