Pássaros
e Mamíferos Associados ao Bambu na Mata Atlântica
Nota.
Esse artigo online é continuamente atualizado e revisado logo que resultados de
novas pesquisas científicas tornam-se disponíveis. Portanto, apresenta as últimas
informações sobre os tópicos abordados.
Bambus
são gramíneas de colmos altos, que constituem importantes componentes de
muitas florestas em regiões tropicais e temperadas (Ohrnberger 1999; Judziewicz
et al. 1999). Não é
surpreendente, portanto, que algumas espécies de animais estejam proximamente
relacionadas aos bambus e dependam deles para a sobrevivência.
Os animais mais
conhecidos como especializados em bambu são o panda gigante (Ailuropoda
melanoleuca) e o panda vermelho (Ailurus fulgens) da Ásia. Esses
dois membros vegetarianos da ordem Carnivora alimentam-se quase exclusivamente
das folhas e do caule do bambu (para obter mais detalhes, consulte nosso artigo:
Panda Gigante e Panda Vermelho
Simpátricos).
Nesse artigo, discutimos os pássaros e mamíferos associados ao bambu na Mata
Atlântica e analisaremos os respectivos estudos de campo.
A Mata Atlântica estende-se ao longo da costa leste
do Brasil, dos estados do Ceará e Rio Grande do Norte até o Paraná e o Rio
Grande do Sul. Uma pequena parte dessa floresta também estende-se às regiões de
países vizinhos como a Argentina (Província de Misiones) e o sudeste do
Paraguai. A Mata Atlântica é separada da Floresta Amazônica por habitats mais
secos como campos, savanas e caatingas, conseqüentemente possui muitas espécies
de plantas tropicais e animais que não ocorrem na Floresta Amazônica.
Na verdade, a Mata Atlântica é o único local no
mundo onde há a ocorrência de muitas espécies de plantas e animais.
Infelizmente, em virtude do intenso desenvolvimento da região pelo homem durante
várias centenas de anos, menos de 3% da Mata Atlântica original permanece
intacta e muitos de seus animais e plantas exclusivos estão atualmente extintos
ou ameaçados de extinção (Sick 1985; 1993; Goerck 1995, 1997).
Pássaros
Especializados em Bambu
Lista
dos pássaros da Mata Atlântica associados ao bambu:
Pararu-espelho (Claravis
godefrida)
Pichororé (Synallaxis ruficapilla)
Trepador-coleira (Anabazenops fuscus)
Barranqueiro-de-olho-branco (Automolus
leucophthalmus)
Limpa-folha-miúdo (Anabacerthia amaurotis)
Cisqueiro (Clibanornis dendrocolaptoides)
Arapaçu-alfange (Campylorhamphus falcularius)
Matracão (Batara cinerea)
Borralhara-assobiadora brujarara (Mackenzianena leachi)
Borralhara-preta (Mackenzianena severa)
Choca-da-taquara (Biatas nigropectus)
Trovoada-da-serra (Drymophila genei)
Dituí (Drymophila ferruginea)
Trovoada-de-Bertoni (Drymophila rubricollis)
Trovoada-carijó (Drymophila malura)
Trovoada-ocre (Drymophila ochropyga)
Olho-de-fogo-do-sol (Pyriglena leucoptera)
Tovaca-serrana (Chamaeza ruficauda)
Chupa-dente-marrom (Conopophaga lineata)
Torom-malhado (Hylopezus ochroleucus)
Pi-pui (Synallaxis cinerascens)
João-oliváceo (Cranioleuca obsoleta)
Macuquinho-pintado (Psilorhamphus guttatus)
Macuquinho-serrano (Scytalopus speluncae)
Maria-tesourinha (Hemitriccus furcatus)
Maria-de-olho-falso (Hemitriccus diops)
Maria-catraca (Hemitriccus obsoletus)
Tororó
(Poecilotriccus plumbeiceps)
Maria-cabeçuda (Ramphotrigon megacephala)
Marianinha-amarela (Capsiempis flaveola)
Fruchu-serrano (Neopelma aurifrons)
Cigarrinha-da-taquara (Amaurospiza moesta)
Cigarrinha-do-bambu (Haplospiza unicolor)
Pichochó (Sporophila frontalis)
Papa-capim-da-taquara (Sporophila falcirostris)
Cigarrinha-do-coqueiro (Tiaris fuliginosa)
Algumas espécies da lista como o macuquinho-pintado (Psilorhamphus guttatus) e
a choca-da-taquara (Biatas nigropectus) estão restritas quase que
exclusivamente aos grandes talhões de bambu. Outras ocorrem em habitats
adicionais, mas são mais abundantes onde o bambu é comum. Outras, ainda, ocorrem
onde há vários tipos diferentes de árvores e plantas, mas usam o bambu mais
exclusivamente como forragem.
A quantidade de dados sobre pássaros associados ao bambu varia. Para algumas
espécies, foram realizados estudos científicos de campo, confirmando a
especialização em bambu. Para outras, as impressões de um ornitólogo bem
treinado são os únicos dados disponíveis.
A lista foi compilada a partir de várias referências, incluindo Sick (1985,
1993); Ridgely & Tudor (1989, 1994); Rodrigues et al. (1994), Leme (2001),
Bodrati & Cockle 2006, Rajão & Cerqueira 2006, Dos Anjos et al. 2007, e
Santana & Dos Anjos (2010).
Estudos
de Campo de Pássaros Especializados em Bambu
Estudos
pioneiros sobre a especialização em bambu dos pássaros da Mata Atlântica
foram realizados na floresta montanhosa do Parque Estadual Fazenda Intervales em
São Paulo. Nesse local, os bambus são abundantes, incluindo o bambu gigante (Guadua
angustifolia) e várias espécies de Chusquea e Merostachys.
Numa
área de estudo localizada 900 metros acima do nível do mar, Rodrigues et al.
(1994) estudaram o comportamento de forragem de 2 espécies de limpa-folhas (Furnariidae)
na Fazenda Intervales. Eles observaram uma dessas espécies, o trepador-coleira (Anabazenops
fuscus), apenas em talhões de vegetação densa de bambu, não sendo
encontrado em talhões de vegetação primária, onde o bambu era ausente. Entre
o total de registros de forragem obtidos para essa espécie, a maioria
constituía-se
em bambu: 53% em nós, 21% nos internódios, 13% nas folhas do bambu e apenas
13% em plantas que não pertencem à família dos bambus. Em contrapartida, o limpa-folha-testa-baia
(Philydor rufus), um limpa-folha relacionado que vive na mesma área, evitou o
bambu. Apenas 1% dos registros de forragem para essa ave incluíram
o bambu.
Numa
área de estudo localizada 900 acima do nível do mar, Leme (2001) estudou
quatro espécies de trovoadas (Thamnophilidae) na Fazenda Intervales. Ela constatou que os
dituís (Drymophila erruginea) e trovoadas-de-bertoni (Drymophila rubricollis) preferiam forragens em arbustos de
bambu,
onde se alimentavam principalmente dos insetos que vivem na folhagem dessa
planta. Setenta e oito por cento das árvores usadas como forragem pelos dituís
eram bambu, enquanto 83% das usadas pelos trovoadas-de-bertoni também
eram bambus. Em contraste, dois papa-formigas proximamente relacionados (D.
malura e D. ochropyga), que também ocorriam na área, não
demonstraram preferência pelo bambu.
Também
na Fazenda Intervales, Olmos (1996) estudou a associação da cigarra-do-bambu
ou catatau (Haplospiza unicolor) com o Chusquea aff. meyeriana,
um bambu com semeadura variável (apresenta variação irregular entre anos na
produção de sementes) encontrado apenas na Mata Atlântica. A cigarra-do-bambu
é uma espécie irruptiva que parece percorrer a região da Mata Atlântica em
busca do bambu com semeadura variável. Alimenta-se extensivamente das sementes
de bambu e geralmente não é vista numa área durante anos quando os bambus não
produzem sementes.
As flores começaram a crescer no Chusquea em setembro
de 1988, durante o estudo de Olmos, e todos os arbustos desse bambu polinizado
pelo vento floresceram em novembro. Sementes maduras caíram no chão seis meses
depois entre maio e agosto de 1989.
A cigarra-do-bambu foi vista pela primeira
vez na área em dezembro de 1988. Nessa época, Olmos observou machos cantores
dessa espécie "sempre sobre ou muito próximos aos arbustos do Chusquea
meyeriana." Em abril de 1989, Olmos encontrou cigarras-do-bambu
construindo ninhos e pondo ovos. Em maio, viu “grupos familiares constituídos de
um casal de macho e fêmea e 2 ou 3 filhotes. Nesse mês, ele também observou
cigarras-do-bambu em forragens de sementes de bambu, “pousando nas espigas do
bambu e pressionando as flores secas com o bico, uma por uma, até encontrar uma
semente escondida, que seria desprendida, retirada da casca e comida”.
No final de junho a maioria das cigarras-do-bambu havia deixado a área.
Portanto, o ciclo de vida da cigarra-do-bambu era sincronizado com o do bambu de
semeadura variável, fazendo com que esta cigarra se reproduzisse no outono
austral em vez da primavera austral.
Onde a floresta Atlântica se estende até a Argentina, Areta
et al. (2009) estudaram três espécies de aves especializadas em se alimentar de
sementes de bambu: o Pararu-espelho, o Pichochó e o Papa-capim-da-taquara. Eles
registraram essas três espécies de aves nômades somente durante os eventos de
frutificação em massa das árvores de bambu do gênero Guadua (isto é,
quando esses bambus gigantes produziam uma grande quantidade de sementes).
Mamíferos
Associados ao Bambu
Apenas
uma espécie de mamífero da Mata Atlântica é especializada em bambu, o rato-do-taquara
(Kannabateomys amblyonyx), que encontra-se desde o Espírito Santo até
o Rio Grande do Sul, além da Selva Missionera nos países vizinhos da Argentina
e Paraguai (Crespo 1982; Olmos et al. 1993).
O rato-do-taquara vive em
bosques de bambu gigante nativo (espécie Guadua), bem como em
arbustos do bambu introduzido, como o bambu chinês (Bambusa tuldoides)
e a espécie Phyllostachys (Olmos et al. 1993; Stallings et al.
1994; Silva et al. 2008). Os ratos-do-taquara equipados com transmissores rastreados por rádio
foram localizados fora dos talhões de bambu apenas quando se moviam de um talhão
para outro (Stallings et al. 1994).
O
rato-do-taquara é um grande roedor e pode chegar a pesar 600 gramas. Ele
é um comedor de brotos de árvores, que se alimenta principalmente de brotos,
galhos e folhas de bambu. Foi observado que se alimenta principalmente de bambus
a mais de 2 metros acima do nível do solo (Olmos 1993). Diferentemente da
maioria dos outros roedores, as patas do rato-do-taquara possuem longos
dedos semelhantes aos dos primatas, com unhas achatadas, que permitem a firme
aderência aos colmos lisos do bambu (Olmos et al. 1993). Além disso, sua
atividade é principalmente noturna.
Outros roedores e bambus da Mata Atlântica: em algumas ocasiões, a
semeadura variável do bambu parece provocar aumentos explosivos de curto
prazo na abundância local ou densidade de outras espécies de roedores
(i.e., os não especializados em bambu). Essas explosões populacionais,
chamadas “ratadas”, não são bem compreendidas. Embora a semeadura variável
do bambu pareça ser um fator passível de desencadear ratadas, muitas
semeaduras variáveis não produzem essas explosões populacionais, o que
sugere que outros fatores também são importantes (Jaksic e Lima, 2003).
Resumo
e Conclusões
Conforme
vimos acima, muitas espécies de pássaros e uma espécie de mamífero da Mata
Atlântica estão fortemente relacionadas ao bambu, e algumas parecem depender
dessa planta para sua sobrevivência. Um fato interessante é que a maioria (mais
de 90%) dos pássaros e mamíferos especializados em bambu presentes na lista da
Mata Atlântica são espécies endêmicas, isto é, ocorrem apenas nessa área.
Ainda assim, mais espécies de animais especializados em bambu ocorrem na Amazônia
(consulte nosso artigo: Pássaros da Amazônia Associados ao
Bambu).
O
bambu oferece muitos benefícios importantes aos animais, inclusive alimento (sementes,
brotos, folhas, insetos, etc) e abrigo para proteção contra inimigos.
Infelizmente, em virtude da destruição de tantas florestas nativas de bambu,
muitos pássaros e mamíferos especializados nessa planta são menos abundantes
na Mata Atlântica do que anteriormente. Alguns estão ainda mais escassos por
terem sido pegos em armadilhas para serem vendidos em gaiolas.
Por esses motivos,
vários especialistas em bambu, tais como o pararu-espelho (Claravis
godefrida), o pichochó (Sporophila frontalis) e o papa-capim-da-taquara
(Sporophila falcirostris) estão ameaçados atualmente e sua futura
sobrevivência é incerta
(Vasconcelos et al. 2005).
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Autor:
Dr. Paul D. Haemig (PhD em Ecologia Animal) - Ecology Online Sweden.
A
citação adequada é:
Haemig
PD 2012
Pássaros
e Mamíferos Associados ao Bambu na Mata Atlântica. ECOLOGIA.INFO 5
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