Gaviões Simpátricos do Gênero Micrastur
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novas pesquisas científicas tornam-se disponíveis. Portanto, apresenta as últimas
informações sobre os tópicos abordados.
Os gaviões
do gênero Micrastur são
encontrados apenas em florestas tropicais e subtropicais do hemisfério
ocidental. Esse grupo de
7 espécies desenvolve-se desde Tamaulipas, no sul do México,
até o norte da Argentina, no Paraguai e no estado do
Rio Grande do Sul no Brasil.1
Embora os gaviões do gênero Micrastur sejam arredios e
difíceis de observar na vegetação densa, são as aves de rapina mais abundantes
das florestas neotropicais.
Thiollay (2007), por exemplo, fez levantamentos de todas as
espécies rapinantes em várias florestas diferentes da Guiana Francesa e
descobriu que, devido a sua maior densidade (comparado a outros rapinantes), os
gaviões do gênero Micrastur eram numericamente dominantes em todos os
tipos de florestas. Ele também verificou que os gaviões de tamanho menor (M.
rufficollis e M. gilvicollis) eram mais abundantes que os maiores (M.
semitorquatus e M. mirandollei).
Embora os gaviões
Micrastur sejam membros da família de aves Falconidae, eles não
se parecem com falcões normais. Em vez disso, lembram gaviões
Accipiter da família Accipitridae. Os gaviões
Micrastur e Accipiter possuem longas caudas e asas curtas,
que são adaptações para executar manobras entre a densa vegetação
das florestas onde vivem. Em contraste, as
águias
e falcões que vivem em campos abertos, geralmente possuem
asas longas e caudas curtas.
Os gaviões
Micrastur alimentam-se principalmente de aves, mamíferos
e répteis. De forma semelhante aos gaviões
Accipiter, geralmente caçam
suas presas sentados quietamente nos galhos das
árvores
e esperam suas vítimas aparecerem. Quando elas chegam, os gaviões
Micrastur armam uma emboscada rapidamente, tentando capturá-las
com um vôo breve. Entretanto, os gaviões
também usam outras técnicas para caçar
a presa, como persegui-la a pé (Thorstrom 2000), seguir trilhas de formigas
(Willis et al. 1983, veja abaixo) e fazer um chamariz sonoro para pássaros
(Smith 1969, Atkinson 1997).
Além
da longa cauda e das asas curtas, os gaviões
Micrastur apresentam outras adaptações
para viverem nas florestas tropicais, onde a densa vegetação
e baixos níveis de luminosidade dificultam a visão
das presas. Suas orelhas têm aberturas maiores do que a de outros falcões,
resultando numa extraordinária audição, que facilita a detecção
da presa através de sons. O rufo facial também
pode ajudar na audição, de forma semelhante
às
corujas (Bierregaard 1994).
Os gaviões
Micrastur aninham-se em buracos de
árvores
e penhascos,
sendo a ninhada normalmente composta de 2 ou 3 ovos
(Thorstrom
et al. 1990, 2000ab, 2001; Baker et al. 2000; Gerhardt 2004).
Apenas duas
espécies
foram estudadas adequadamente: o gavião-caburé
(Micrastur ruficollis)
e o gavião-relógio
(Micrastur semitorquatus). Os gaviões-relógio
são 3 ou 4 vezes maiores do que os gaviões-caburé.
Em algumas florestas tropicais, ambas as espécies
são encontradas. Quando duas ou mais espécies
vivem na mesma
área, os ecologistas as denominam simpátricas.
Nesse artigo, comparamos os hábitos dos gaviões-caburé
e gaviões-relógio simpátricos, e discutimos as possíveis
diferenças mais significativas. Além
disso, mencionamos brevemente as interações
com outros gaviões Micrastur.
Preferências de Habitat
Na Guatemala, o gavião-relógio
ocorre numa vasta gama de florestas tropicais, inclusive florestas maduras,
arredores de florestas, florestas e matas secundárias (Thorstrom, 2000).
Em contrapartida, o gavião-caburé
geralmente restringe-se a florestas tropicais maduras
(Thorstrom 2000).
Na América
do Sul, entretanto, o gavião-caburé vive em outros tipos de
florestas. Por exemplo, na Amazônia,
ocorre mais freqüentemente
em florestas secundárias,
matas de galerias, florestas de várzea,
florestas semi-decíduas
e arredores de florestas, enquanto o proximamente relacionado gavião-mateiro
(Micrastur gilvicollis)
é
encontrado em florestas tropicais maduras (Bierregaard 1994). No Acre,
há registros de que o gavião-caburé prefere “florestas não-perturbadas, tanto
secundárias naturais como plantadas pelo homem, inclusive as florestas de bambu
e as mais secas abertas sazonalmente em afloramentos rochosos", ao passo que o
recém-descoberto gavião-cryptico (Micrastur mintoni) é "fortemente
associado à floresta de terra firme não-perturbada e com denso sub-bosque”
(Whittaker, 2002).
Hábitos Alimentares
Em florestas tropicais
maduras semi-decíduas
do Parque Nacional de Tikal, na Guatemala, Thorstrom (2000) estudou os hábitos
alimentares dos gaviões-caburé
e dos gaviões-relógio
simpátricos.
Ele encontrou algumas semelhanças,
mas também
diferenças
significativas.
A principal presa do gavião-relógio
incluía
mamíferos,
especialmente esquilos (Sciurus deppei e S. yucatanensis),
seguidos de aves e répteis
(Figura 1). As principais presas do gavião-caburé eram répteis,
especialmente lagartos, seguidos de aves, insetos, mamíferos
e anfíbios.
O gavião-relógio
alimentava-se de um número
maior de espécies e de espécies
com uma grande variação
de tamanhos em relação
ao gavião-caburé.
Por exemplo, a presa dos gaviões-relógio
variavam em tamanho desde sapos (20 gramas) até
perus ocelados ou perus de Yucatán (Agriocharis
ocellata), pesando 3 quilos. Muitas outras aves grandes foram
capturadas, incluindo jacus (Penelope purpurascens), aracuãs
(Ortalis vetula) (Figura 2), mutuns (Crax rubra), inhambus (Crypturellus
spp.), tucanos (Ramphastos sulfuratus), araçaris
(Pteroglossus torquatus) e gralhas (Psilorhinus
morio).
Em contraste, as presas dos gaviões-caburé
variavam em tamanho desde insetos (1,5 gramas) até
pombos (160 gramas).
Alguns gaviões
individuais desviaram da dieta
média
mencionada.veze
Por exemplo, Thorstrom (2000) observou um gavião-relógio
adulto ajudando um casal de gaviões-relógio
a alimentar seus dois filhotes, 4 a 11 semanas após
terem deixado o ninho. O terceiro gavião adulto mostrou preferência
por capturar tucanos. Entre as 36 presas oferecidas
à
ninhada, 27 eram tucanos (Ramphastos sulfuratus) e 2 eram araçaris
(Pteroglossus torquatus). Em alguns dias, foram dados 2 tucanos aos
filhotes.
Thorstrom (2000) reportou
que o gavião-caburé
geralmente caçava
sua presa por meio de ataques aéreos
surpresa vindos de poleiros escondidos. Embora o gavião-relógio
também
tenha usado esse método
para caçar,
Thorstrom observou que ele usava outras técnicas
como correr pelo chão
ao redor das
árvores atrás
da presa ou persegui-la a pé
ao longo de grandes galhos de
árvores.
Ele desenvolveu a hipótese
de que as longas pernas do gavião-relógio
e sua longa cauda arqueada proporcionam uma maior capacidade de manobra durante
a perseguição
da presa a pé.
O pequeno gavião-caburé
se alimentava mais freqüentemente
de insetos do que o gavião-relógio,
de maior tamanho. Oito por cento das presas fornecidas para as fêmeas,
ninhadas e aves recém-emplumadas
dos gaviões-caburé
no Parque Nacional de Tikal eram insetos, ao passo que
nenhum inseto foi registrado na dieta do gavião-relógio
(Thorstrom, 2000). No mesmo parque, Thorstrom et al. (2000a) observaram 8 jovens
gaviões-caburé
associados a
trilhas de formigas (Eciton spp.), 3 a 4 semanas após
emplumados. Esses jovens gaviões
geralmente empoleiravam-se 1 a 2 metros acima da trilha de formigas e se
alimentavam de baratas, grilos e besouros que atacavam as formigas. Thorstrom e
seus colegas também
observaram esses jovens gaviões
perseguindo pequenos pássaros
que geralmente eram atraídos
pelas trilhas de formigas.
Outros observadores
confirmam que o gavião-caburé geralmente se associa a
trilhas de formigas. Willis et al.
(1983) encontraram gaviões-caburé
mais numerosos como seguidores de formigas em
“florestas
mésicas
da região central e sul do
Brasil”,
enquanto nas florestas
úmidas
da Amazônia foram raramente
vistos. Na Reserva Ducke, no Amazonas, Brasil, esses pesquisadores reportaram
ter visto um ou mais gaviões-caburé associados a trilhas de
formigas em 78 ocasiões
diferentes. No Parque Nacional de Manu, na região
amazônica
do Peru, Robinson (1994) observou, por duas vezes, gaviões-caburé associando-se com
trilhas de formigas, e viu uma dessas aves de rapina capturar um grande
gafanhoto (katydid) que fugia das formigas. Os gaviões-relógio
são
vistos com menos freqüência
em trilhas de formigas do que os gaviões-caburé
e, nesse caso, parecem mais interessados em capturar os pássaros
que seguem as formigas do que os insetos que delas fogem (Willis et al. 1983).
Preferências de Locais para
Ninhos
No Parque Nacional de Tikal,
Thorstrom (2001) constatou que o gavião-relógio construía ninhos em árvores
maiores do que as escolhidas pelo gavião-caburé. Ele explicou essa diferença
pelo fato de o gavião-relógio ser maior do que o gavião-caburé e, portanto,
precisar de cavidades maiores para os ninhos, que são encontradas em árvores
maiores.
Variação
da Área de Vida
No Parque Nacional de
Tikal, a área de vida, ou “home range”, do gavião-relógio, de maior porte,
variava muito mais que a do gavião-caburé, de menor porte (Thorström 2007). Em
um caso, a área de vida de um macho de gavião-relógio em período de nidificação
cobria uma área equivalente a de seis gaviões-caburé machos.
Altura dos poleiros
Nas florestas da Guiana
Francesa, os gaviões Micrastur maiores (M. semitorquatus e M. mirandollei) são
normalmente vistos empoleirados de 15 a 35 metros acima do solo, enquanto os
menores (M. rufficollis e M. gilvicollis) normalmente empoleiram-se entre 3 e 16
metros de altura (Thiollay 2007).
Inimigos
Na Guatemala, Thorstrom et
al. (2000a) reportaram a predação
sobre gaviões-caburé
jovens recém-emplumados,
2 ou 3 dias após
abandonarem o ninho. Um foi morto por uma raposa-cinzenta (Urocyon
cinereoargenteus), o outro por uma jibóia
(Boa constrictor).
Notas de Rodapé
1. As
7 espécies
do gênero
Micrastur são
o gavião-relógio
(Micrastur semitorquatus), o gavião-caburé
(Micrastur ruficollis), o gavião-mateiro
(Micrastur gilvicollis), o gavião-chumbo
(Micrastur plumbeus), o tanatau (Micrastur mirandollei),
o gavião-cryptico
Micrastur mintoni (Whittaker 2002),
e o gavião-Buckley
(Micrastur buckleyi).
O gavião-relógio
foi observado e fotografado no Vale do Rio Grande no Texas, Estados Unidos,
(ex., Parque Estadual do Bensten - Rio Grande Valley, condado de Hidalgo),
mas não
se sabe se a espécie se reproduz naquela
área
ou não
(Lasley et al. 1994; DeBenedictis 1996).
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(Micrastur ruficollis), Brasil.
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Autor: Dr. Paul D.
Haemig (PhD em Ecologia Animal) - Ecology Online Sweden.
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Haemig PD
2012
Gaviões
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