Ecologia dos
Micos-leões
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atualizado e revisado logo que resultados de novas pesquisas científicas
tornam-se disponíveis. Portanto, apresenta as últimas informações sobre os
tópicos abordados.
As quatro espécies de mico-leão (Leontopithecus) são
encontradas exclusivamente na Mata Atlântica brasileira. Lá, as espécies
de mico-leão vivem separadas umas das outras, cada uma em um pequeno
território. Neste artigo, veremos as diversas maneiras de interação desses
primatas ameaçados de extinção com outros animais e plantas.
Distribuição
As quatro espécies de mico-leão estão distribuídas da seguinte maneira, de
norte a sul:
Mico-leão-de-cara-dourada (Leontopithecus chrysomelas)
- Bahia
Mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia)
- Rio de Janeiro
Mico-leão-preto (Leontopithecus chrysopygus)
- São Paulo
Mico-leão-de-cara-preta (Leontopithecus caissara)
- Paraná e pequena área adjacente do sudeste de São Paulo
Cada espécie é encontrada apenas em uma pequena parte do estado indicado
como seu território. Isso ocorre porque grande parte da Mata Atlântica,
habitat dos micos-leões, foi destruída.
Os poucos micos-leões sobreviventes vivem em fragmentos remanescentes da
Mata Atlântica e, às vezes, em plantações adjacentes que têm bromélias e
espécies de árvores que os micos-leões podem utilizar (Faria et al. 2007;
Oliveira et al. 2010, 2011).
Hábitos Gerais
Os micos-leões são ativos durante o dia e dormem durante a noite. Vivem em
grupos de dois a 11 indivíduos, sendo que um grupo tem, em média, de
quatro a sete indivíduos (Baker et al. 2002). Normalmente, cada grupo
defende um território diferente (Peres 1989b).
Os micos-leões vivem em florestas e passam a maior parte do tempo em
árvores. Assim como os saguis, têm unhas em forma de garras que lhes
permitem agarrar-se a troncos e galhos de árvores. Os micos-leões andam,
correm e saltam como esquilos, usando as quatro patas.
Os micos-leões alimentam-se principalmente de frutos, insetos, pequenos
vertebrados e ovos de aves (Lapenta et al. 2003). Em menor grau, alimentam-se
também de néctar, flores, gomas e exsudatos de plantas, além de cipós.
(Peres 1989a; Miller & Dietz 2005).
Os micos-leões têm especializações que lhes permitem caçar presas
escondidas. Seus dedos e mãos alongados penetram em aberturas de troncos
de árvores, bromélias e folhagem densa, de onde retiram presas escondidas
(Miller & Dietz 2005).
Os filhotes de micos-leões (normalmente gêmeos) nascem de setembro a março,
"um pouco antes do pico da disponibilidade de frutas e insetos ou durante
esse período". (Di Bitetti & Janson 2000).
Frugivoria
Os micos-leões se alimentam de uma grande variedade de frutos silvestres.
Um estudo feito na Reserva Biológica de Una, por exemplo, mostrou que os
micos-leões-de-cara-dourada alimentaram-se de frutos de 79 espécies de 32
famílias de plantas diferentes (Raboy & Dietz 2004). Outro estudo
realizado em Una mostrou resultados semelhantes: os frutos de 93 espécies
de árvores foram usados como alimento (Oliveira et al. 2010).
Embora muitos tipos de frutos façam parte da dieta, alguns são consumidos
com mais frequência. Em um estudo em que micos-leões-de-cara-dourada
alimentaram-se de frutos de 71 espécies diferentes, sete espécies
compunham mais da metade da dieta (57,1%) e 32 espécies (45%) foram
consumidas uma só vez. (Cardoso et al. 2011).
Da mesma forma, os micos-leões pretos da Fazenda Rio Claro passaram 37% do
tempo de alimentação comendo frutos de uma de três espécies: gerivá ou
coqueiro tupi (Syagus romanzoffiana) (Mamede-Costa & Godoi 1998). Uma
parte tão grande do tempo total de alimentação era dedicada a essa árvore
porque se trata de uma espécie que dá frutos o ano todo, com pico na
estação seca, quando os frutos das outras árvores frutíferas são escassos.
Assim, o fruto dessa palmeira parece ser um recurso essencial para os
micos-leões-pretos e pode ser um fator importante na sua sobrevivência nos
"poucos e pequenos fragmentos onde existem hoje" (Mamede-Costa & Godoi
1998).
Embora frutos comerciais raramente façam parte da dieta, ocasionalmente
veem-se grupos de micos-leões-dourados comendo bananas em plantações
adjacentes às florestas onde vivem (Coimbra-Filho 1969).
Dispersão de sementes
Os micos-leões desempenham um papel ecológico importante, pois dispersam
as sementes da maioria dos frutos que comem. Quando um mico-leão engole
sementes, elas muitas vezes passam intactas por seu trato digestivo.
Quando o mico-leão defeca, as sementes são depositadas em um local
distante da árvore-mãe.
Ao realizar esse transporte, os micos-leões ajudam as árvores a espalhar
suas sementes pela floresta tropical. Com sorte, algumas dessas sementes
germinarão e, se sobreviverem, darão origem a grandes árvores (Passos
1997; Lapenta & Procópio-de-Oliveira 2009).
Cardoso et al. (2011) constataram que 80,4% das defecações dos
micos-leões-de-cara-dourada continham sementes. Eles observaram
micos-leões-de-cara-dourada engolindo frutos de 53 espécies e descobriram
sementes de 40 (75,4%) dessas espécies nas defecações que encontraram. A
maior parte das defecações (54,9%) continha sementes de uma única espécie.
O número maior de espécies em uma única defecação foi três.
Em outro estudo, micos-leões-dourados alimentaram-se dos frutos de 97
espécies de árvores, engolindo as sementes de 76 espécies e cuspindo as
sementes de 21 (Lapenta & Procópio-de-Oliveira 2008). As sementes das 76
espécies engolidas pelos micos-leões dourados foram encontradas nas suas
fezes. Mais uma vez, a maior parte das defecações (89,6%) continha apenas
uma espécie de semente, e uma única defecação nunca continha mais de três
espécies.
A que distância das árvores frutíferas são dispersas as sementes? Um
estudo revelou que micos-leões-de-cara-dourada dispersaram sementes a uma
distância entre 22 e 781 metros da árvore-mãe, sendo que a maioria (61%)
foi dispersa ao longo de 150 metros (Cardoso et al. 2011). Outro estudo
mostrou que micos-leões-dourados dispersaram sementes a uma distância
entre zero e 858 metros da árvore-mãe, com distância média de 105 metros (Lapenta
& Procópio-de-Oliveira 2008).
A passagem das sementes pelo trato digestivo do mico-leão as afeta de modo
a alterar a frequência de germinação?
Para responder a essas perguntas, Lapenta et al. (2008) compararam a
germinação de sementes obtidas de defecações de micos-leões-dourados a
sementes da mesma espécie retiradas de frutos frescos. Das 23 espécies
testadas, sete apresentaram aumento da frequência de germinação após a
passagem das sementes pelo trato digestivo dos micos-leões-dourados. Três
espécies apresentaram o resultado oposto, ao passo que em 11 espécies não
houve diferença.
Associação com Aves
Às vezes, veem-se aves seguindo os micos-leões. Um estudo feito na Bahia
ao longo de três anos mostrou que 11 espécies diferentes de aves
forrageavam em uma distância de até cinco metros dos
micos-leões-de-cara-dourada (Hankerson et al. 2006). Diversas espécies de
arapaçus e cochis (Dendrocolaptidae) e a chora-chuva-de-cara-branca (Monasa
morphoeus) compunham 92,7% das observações.
Essas associações entre micos-leões-de-cara-dourada e aves normalmente
consistem em uma única espécie de ave forrageando com um grupo de
micos-leões. Em seguida, em ordem decrescente de frequência, vêm as
associações envolvendo duas, três e quatro espécies. O número mais alto de
espécies de aves vistas em associação com os micos-leões-de-cara-dourada
durante o estudo de três anos foi quatro (Hankerson et al. 2006).
Conforme os micos-leões passam de uma bromélia a outra à procura de
alimentos escondidos, eles muitas vezes trazem à superfície insetos e
outros animais, que são então apanhados e comidos por arapaçus, cochis e
choras-chuvas-de-cara-branca, que seguem de perto os micos-leões (Hankerson
et al. 2006). Acredita-se, por consequência, que essa associação possa ser
benéfica às aves, por aumentar seu acesso às presas que frequentemente não
estão à sua vista.
O estudo de três anos também mostrou que a associação entre
micos-leões-de-cara-dourada e aves ocorria o ano todo, sem diferenças
significativas de frequência em diferentes estações do ano (Hankerson et
al. 2006).
Seleção de Locais para Dormir
Os micos-leões normalmente dormem em ocos de árvores durante a noite. Às
vezes, no entanto, podem dormir em bambuzais, emaranhados densos de cipós,
abrigos naturais formados por bromélias, caules de palmeiras, sob folhas
de palmeiras vivas ou mortas, ninhos abandonados de aves ou mamíferos e
galhos ou ramos de árvores (Hankerson et al. 2007; Amaral Nascimento &
Schmidlin 2011).
Um estudo feito ao longo de 14 anos mostrou as seguintes frequências de
escolha de local para dormir por micos-leões-dourados: ocos de árvores =
63,6%; no solo, em bambuzais densos = 17,5%; emaranhados densos de cipós =
9,6%; bromélias = 4,7 % (Hankerson et al. 2007). Quando dormiam em árvores,
a altura média era de seis ou mais metros acima do solo (Hankerson et al.
2007).
Por que os micos-leões estão ameaçados de extinção
As quatro espécies de mico-leão estão ameaçadas de extinção. A causa
principal dessa ameaça é a destruição da Mata Atlântica pelos seres
humanos. Os micos-leões precisam dessa floresta para sobreviver (Kierulff
& Rylands 2003).
A captura ilegal de micos-leões para venda como animal de estimação é
outro fator importante na queda do número de indivíduos (Kierulff &
Rylands 2003).
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Informações
sobre esse Artigo
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inglês
Autor:
Dr. Paul D. Haemig (PhD em Ecologia Animal) - Ecology Online Sweden.
Fotografia: A foto no topo da página foi tirada por
Joroen Kransen (Netherlands) e ilustra o mico-leão dourado (Leontopithecus
rosalia).
A
citação adequada é:
Haemig
PD 2012
Ecologia dos Micos-leões. ECOLOGIA.INFO 34
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