Gradientes Latitudinais na Biodiversidade
Luz Boyero
Escola de Biologia Tropical
James Cook University
Austrália
Observação: Esse artigo online é
continuamente atualizado e revisado logo que resultados de novas pesquisas
científicas tornam-se disponíveis. Portanto, apresenta as últimas
informações sobre os tópicos abordados.
Os trópicos
exuberantes: verdade ou mito?
A palavra “tropical” normalmente evoca
imagens de uma selva densa, habitada por todos os tipos de diferentes
criaturas, ou um recife de coral, povoado por peixes das mais diferentes
cores. No entanto, “os trópicos”, ou seja, a zona que se estende a cerca
de 30º ao norte e ao sul do Equador (Pringle 2000), contêm também grandes
extensões de deserto e savana que apresentam, ao contrário, pequenos
números e baixa biodiversidade de organismos vivos.
Os trópicos são, então, biologicamente mais
diversificados que outras zonas climáticas? De fato, esse é o padrão mais
aceito universalmente e o mais antigo em ecologia (Hawkins 2001). Os
trópicos possuem uma riqueza de espécies extraordinariamente alta ou,
visto de uma diferente perspectiva, as áreas fora dos trópicos possuem uma
riqueza extraordinariamente baixa (Blackburn e Gaston 1996).
Generalidade dos gradientes latitudinais de diversidade
Apesar do reconhecimento da generalidade dos
gradientes latitudinais de diversidade, nosso conhecimento é tendencioso
em relação a alguns grupos taxonômicos, regiões e tipos de ecossistemas.
Em primeiro lugar, os estudos são tendenciosos em relação a vertebrados,
que compõem menos de 5% das espécias da Terra. Por exemplo, muitos
mamíferos mostram sua máxima riqueza de espécies nos trópicos (Kaufman
1995), enquanto alguns grupos de insetos apresentam gradientes
latitudinais inversos (Kouki et al. 1994).
Em segundo lugar, os gradientes latitudinais
de biodiversidade para o hemisfério norte não parecem valer para o
hemisfério sul (Platnick 1991, Boyero 2002). Por exemplo, os vertebrados
terrestres apresentam mais riqueza na América Central do que na América do
Norte, mas esse não é o caso na Austrália tropical em comparação com a
temperada (Schall e Pianka 1978). A riqueza de espécies de Odonata por
unidade de área é similar na América do Sul tropical e temperada, enquanto
é cerca de 29 vezes maior na América Central do que na América do Norte (Boyero
2002). A chamada “tendência boreal” (Platnick 1991) existe devido à grande
maioria dos estudos ter sido efetuada por ecologistas da América do Norte
e da Europa.
Em terceiro lugar, a maior parte das
informações disponíveis vem de ecossistemas terrestres ou marinhos,
enquanto a água doce recebeu pouca atenção, mesmo que contenha 20% das
espécies vertebradas da Terra (Rohde 1998). Mesmo assim, os dados
disponíveis mostram que os peixes de água doce e os macroinvertebrados
apresentam maior diversidades nos trópicos. Por exemplo, o número de
espécies de peixes em lagos tropicais excede aquele dos lagos temperados (por
exemplo, 1450 espécies nos lagos Victoria, Tanganyika e Malawi comparadas
às 212 espécies nos Grandes Lagos da América do Norte e o lago Baikal;
Rohde 1998).
Um padrão similar é encontrado em rios (por
exemplo, 2000 espécies no Amazonas e 700 no Congo, comparados às 250
espécies no Mississippi e 70 no Danúbio, Pringle 2000). Alguns
macroinvertebrados fluviais são mais diversificados nos trópicos na
Austrália (Boulton et al. 2005) e América (por exemplo, 25 espécies de
Odonata e 32 de Ephemeroptera por unidade de área (106 km2) na América do
Norte, comparados a 717 Odonata e 206 Ephemeroptera na América Central;
Boyero 2002).
Diversidade regional x
diversidade local
Ao considerar qualquer padrão ecológico
(Levin 1992) e, especificamente, tendências latitudinais em riqueza de
espécies, a escala espacial é um fator fundamental a ser considerado
(Lyons and Willig 1999, Kaspari et al. 2003, Rahbeck 2005). As duas
principais abordagens para os padrões de diversidade são o estudo da
diversidade regional – o número de espécies dentro de uma região – e o da
diversidade local – o número de espécies em um local ou área.
O número de espécies em um bioma, um continente ou zona climática são
exemplos de diversidade regional, que é determinada por fatores regionais
como geologia, clima, migração ou extinção. Por outro lado, a diversidade
local refere-se ao número de espécies dentro de, por exemplo, um recife de
coral, uma floresta ou o trecho de um rio. A diversidade local é com
freqüência, mas não sempre, relacionada fortemente à diversidade regional
(Caley e Schluter 1997), que determina o conjunto de espécies disponíveis.
No entanto, membros desse conjunto podem ou não estar presentes em um
local, dependendo de fatores locais como estrutura do habitat,
produtividade, distúrbios ou interações bióticas (Rohde 1992, Rosenzweig e
Abramsky 1993).
Por exemplo, em rios, a diversidade regional tende a ser maior nos
trópicos (Boyero 2002, Boulton et al. 2005), enquanto a diversidade local
é razoavelmente constante em todas as latitudes, ou não apresenta um
gradiente latitudinal claro (Vinson & Hawkins 2003). A explicação para
essa diferença pode ser a maior redistribuição de espécies entre locais
nos trópicos, como foi demonstrado para macroinvertebrados (Lake et al.
1994) e sugerido para anfíbios anuros (Boulton et al. 2005). Embora
processos biogeográficos possam gerar maior riqueza de espécies nos
trópicos para muitos grupos taxonômicos, a natureza altamente variável e
imprevisível do habitat fluvial impõe um limite superior para a divesidade
local, homogeneizando o número de espécies locais em todo o mundo (Boulton
et al. 2005). Esse habitat, embora bastante heterogêneo em escalas
relativamente pequenas (Boyero 2003, Boyero e Bosch 2004), é
extraordinariamente similar em todo o mundo (Hynes 1970), o que o torna
ideal para testar hipóteses sobre a diversidade em larga escala e os
gradientes ecológicos (Vinson e Hawkins 2003). Mesmo assim, a diversidade
local dos peixes de água doce parece ter influências regionais mais fortes
(Angermeier e Winston 1998), e o mesmo ocorre com muitos grupos de
organismos em ecossistemas terrestres e marinhos (Caley e Schluter 1997).
As causas dos gradientes latitudinais na biodiversidade
O determinante da diversidade biológica é, claramente, não a latitude em
si, mas as variáveis ambientais correlacionadas com a latitude. Mais de 25
mecanismos diferentes já foram sugeridos para a geração de gradientes
latitudinais de diversidade, mas ainda não houve consenso (Gaston 2000).
Um dos fatores propostos como causa dos gradientes latitudinais de
diversidade é a área das zonas climáticas. As zonas terrestres tropicais
possuem uma área superficial total similar climaticamente maior que as
zonas terrestres em latitudes mais altas, com flutuações de temperatura de
mesma magnitude (Rosenzweig 1992). Isso pode estar relacionado a níveis
mais altos de especiação e níveis mais baixos de extinção nos trópicos (Rosenzweig
1992, Gaston 2000, Buzas et al. 2002). Além disso, a maior parte da
superfície da Terra foi tropical ou subtropical durante o Terciário, o que
pode explicar, em parte, a maior diversidade atual nos trópicos como
resultado de processos evolucionários e históricos (Ricklefs 2004).
A maior radiação solar nos trópicos aumenta a produtividade, que, por sua
vez, é tida como responsável pelo aumento da biodiversidade. Entretanto, a
produtividade só pode explicar porque há maior biomassa nos trópicos, e
não porque essa biomassa está distribuída em mais indivíduos, e tais
indivíduos, em mais espécies (Blackburn e Gaston 1996). Os tamanhos
corporais e as densidades populacionais são tipicamente menores nos
trópicos, implicando um número maior de espécies, mas as causas e as
interações entre essas três variáveis são complexas e ainda incertas
(Blackburn e Gaston 1996).
Temperaturas mais altas podem representar menores tempos de geração e
maiores taxas de mutação, acelerando assim a especialção nos trópicos
(Rohde 1992). A especiação também pode ser acelerada por uma complexidade
maior do habitat nos trópicos, embora isso não se aplique aos ecossistemas
de água doce. A explicação mais provável é uma combinação de vários
fatores, e espera-se que diferentes fatores afetem de formas diferentes os
diferentes grupos de organismos, regiões (por exemplo, hemisfério norte e
hemisfério sul) e ecossistemas, resultando na variedade de padrões que
observamos.
A importância do entendimento dos gradientes latitudinais na
biodiversidade
O entendimento da distribuição global da biodiversidade é um dos objetivos
mais significativos para ecologistas e biogeógrafos (Gaston 2000). Porém,
além de objetivos puramente científicos, essa compreensão é essencial para
problemas aplicados de maior preocupação para a humanidade, como a invasão
de espécies, o controle de doenças e de seus vetores e, provavelmente, os
efeitos das mudanças ambientais globais na manutenção da biodiversidade
(Gaston 2000).
As áreas tropicais, normalmente localizadas em países em desenvolvimento,
desempenham um papel de destaque nesse cenário, pois seus índices de
degradação de habitat e perda de biodiversidade são excepcionalmente
altos. Assim como havia pouca informação sobre as condições “naturais” de
ecossistemas temperados antes de serem drasticamente alterados, essas
informações também são escassas, nos dias atuais, para os trópicos. A
diferença é que, hoje, ainda não é tarde para coletá-las (Pringle 2000).
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Informações sobre esse artigo
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A autora é:
Dr. Luz Boyero (PhD em Biologia)
Fotografia: Um
papa-moscas da família Tyrannidae. Essa família de mais de 400 espécies é a
maior família de pássaros no hemisfério ocidental e também é endêmica nessa
região. Como em praticamente todos os grupos taxonômicos de plantas e animais,
os Tyrannidae apresentam um gradiente latitudinal na biodiversidade, com a
maioria das espécies reproduzindo-se nos trópicos e relativamente poucos
reproduzind-se na América do Norte e no sul da América do Sul. Fotografia tirada
na Costa Rica por Michael Duquette Fowler (EUA).
A citação
adequada é:
Boyero L
2011 Gradientes latitudinais na biodiversidade. ECOLOGY.INFO
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