Sazima I, Haemig PD  (2012 Aves, Mamíferos e Répteis de Fernando de Noronha.  ECOLOGIA.INFO 17

Aves, Mamíferos e Répteis de Fernando de Noronha

Nota. Esse artigo online é continuamente atualizado e revisado logo que resultados de novas pesquisas científicas tornam-se disponíveis. Portanto, apresenta as últimas informações sobre os tópicos abordados.

O arquipélago de Fernando de Noronha encontra-se no Oceano Atlântico tropical, três graus ao sul da linha do Equador e 345 Km a nordeste do Cabo de São Roque, Brasil (Carleton e Olson, 1999). É o ponto extremo a leste dos neotrópicos e compreende uma ilha principal (16,9 Km²) com uma série de aproximadamente 12 ilhotas (Olson, 1994; Carleton e Olson, 1999).

A ilha e as ilhotas do arquipélago de Fernando de Noronha têm origem vulcânica e nunca foram conectadas por terra ao continente sul-americano. Conseqüentemente, todos os animais nativos do arquipélago colonizaram a ilha transportados pelo ar ou mar.

Em 10 de agosto de 1503, o renomado explorador Américo Vespúcio aportou na ilha principal de Fernando de Noronha e registrou as primeiras descrições de sua fauna para a ciência. Ele não encontrou humanos vivendo na ilha, porém notou que havia uma grande quantidade de árvores e que os pássaros terrestres e marinhos eram abundantes. Os únicos animais distintos que encontrou foram lagartos, cobras e “ratos muito grandes” (Carleton e Olson, 1999). Naquela época remota, acreditava-se que a ilha principal era “quase totalmente coberta de florestas” (Olson, 1994). Hoje restaram apenas florestas secundárias (Stattersfield et al., 1998). (Foto 1, Foto 2, Foto 3).

Neste relatório, analisaremos os pássaros, mamíferos e répteis nativos do arquipélago. Fernando de Noronha não possui anfíbios e peixes de água doce nativos. Entretanto, o sapo cururu (Bufo schneideri) (Foto 4) e o sapo arbóreo (Scinax aff. ruber) (Foto 5) foram introduzidos por humanos (Olson, 1981; Oren, 1984).

Pássaros Terrestres

As seguintes espécies de pássaros terrestres se reproduzem em Fernando de Noronha e teriam colonizado o arquipélago naturalmente:

Juruviara-de-noronha (Vireo gracilirostris) (Foto 6)
Cocoruta (Elaenia ridleyana) (Foto 7)
Ribaçã ou avoante (Zenaida auriculata noronha) (Foto 8)
Garça-vaqueira (Bubulcus ibis) (Foto 9)

Além disso, Olson (1981) relatou que encontrou fósseis de uma saracura extinta incapaz de voar e não descrita na ilha principal. Ele acrescentou brevemente que as espécies não se pareciam com saracuras do continente brasileiro.

A juruviara-de-noronha e a cocoruta são endêmicas no arquipélago de Fernando de Noronha. A ribaçã, um pombo, também é encontrada no continente brasileiro. A juruviara-de-noronha reproduz-se apenas na ilha principal de Fernando de Noronha, enquanto a cocoruta reproduz-se tanto na ilha principal como na Ilha Rata, a maior das ilhotas (Ridley, 1890; Olson, 1981). Além disso, a cocoruta também tem sido vista em outra ilhota do arquipélago chamada de Ilha do Meio (Oren, 1984). Durante seus estudos na ilha principal, Olson (1981) constatou que a juruviara-de-noronha e a cocoruta são "mais abundantes nas áreas remanescentes da floresta da ponta oriental da ilha e ao redor da base do Morro do Pico." Entretanto, relatou que ambas as espécies também ocorriam com menor freqüência nas árvores ao longo das estradas, em áreas arbustivas e próximas a casas.

A juruviara-de-noronha é mais acentuadamente diferenciada de seus parentes do continente do que a cocoruta ou a ribaçã. Olson (1994) a descreveu como curiosa e dócil, permitindo a proximidade com humanos. Quando comparada ao complexo da juruviara-oliva (Vireo olivaceus), de onde se originou, a juruviara-de-noronha é menor, possui um bico mais longo e delgado, além de cauda e tarso mais longos. “A asa é arredondada em vez de pontiaguda”, mas possui a mesma área de superfície (Olson, 1994).

Essas características anatômicas podem ser consideradas “especializações semelhantes às das aves canoras para apanhar pequenos insetos na folhagem" (Olson, 1994). Oren (1984) relatou que a juruviara-de-noronha geralmente pendura-se de cabeça para baixo, apanhando insetos e outros artrópodes nas folhagens, inflorescências e troncos de árvores, procurando alimento "da copa das árvores até o solo, onde percorre distâncias curtas atrás de sua presa, fazendo lembrar mais uma corruíra do que uma juruviara". Nicoll (1904) constatou que as atitudes da juruviara-de-noronha lembravam as de um rouxinol-pequeno-do-caniços (Acrocephalus scirpaceus), e registrou que a juruviara "é um pequeno pássaro ativo que se movimenta continuamente entre as folhas, apanhando um inseto uma vez ou outra".

Um imigrante relativamente novo em Fernando de Noronha é a garça-vaqueira. Este pássaro colonizou o arquipélago no últimos anos do século vinte e espalhou-se pela ilha principal. Ele também possui uma grande colônia de nidificação em uma das ilhotas.

Muitas outras espécies de pássaros terrestres visitam Fernando de Noronha casualmente a cada ano, provenientes do continente brasileiro, porém não se reproduzem no arquipélago (Nacinovic e Teixeira, 1989). Além disso, alguns pássaros que escaparam ou foram libertados de gaiolas, tais como o galo-da-campina (Paroaria dominicana), foram introduzidos por humanos e agora se reproduzem na ilha principal (Oren, 1982). Por esses motivos, o turista em Fernando de Noronha pode ver mais espécies de pássaros terrestres do que as quatro discutidas neste artigo.

Pássaros Marinhos

A reprodução dos pássaros marinhos abaixo foi registrada no arquipélago de Fernando de Noronha:

Rabo-de-palha-de-bico-vermelho (Phaethon aethereus)
Rabo-de-palha-de-bico-laranja (Phaethon lepturus)
Atobá-mascarado (Sula dactylatra)
Atobá-de-pé-vermelho (Sula sula) (Foto 10)
Atobá-pardo (Sula leucogaster) (Foto 11)
Catraia ou tesourão-magnífico (Fregata magnificens) (Foto 12)
Trinta-réis-marinho (Sterna fuscata)
Trinta-réis-escuro (Anous stolidus) (Foto 13, Foto 14)
Trinta-réis-preto (Anous tenuirostris)
Trinta-réis-branco (Gygis alba) (Foto 15)

Referências: Sharpe, 1890; Oren (1982, 1984); Nacinovic e Teixeira (1989)

O Rato de Fernando de Noronha

Em 1503, o explorador Américo Vespúcio não encontrou mamíferos em Fernando de Noronha, exceto “ratos muito grandes”. Visto que as pessoas que visitaram a ilha posteriormente não mencionaram esses grandes ratos e por ser improvável que ratos do velho mundo (Rattus spp.) tenham colonizado Fernando de Noronha em seus primórdios, Ridley (1888) propôs que os grandes ratos vistos por Vespúcio pertenciam a uma espécie extinta de mamíferos parecidos com ratos desconhecidos para a ciência.

Em 1973, uma expedição conjunta brasileira e norte-americana, liderada pelo paleontologista Storrs L. Olson, visitou Fernando de Noronha e descobriu muitos fósseis de um grande rato não descrito que poderia ter sido a espécie vista por Vespúcio. Carleton e Olson (1999) formalmente descreveram este animal como o Rato de Fernando de Noronha, com um novo gênero e espécie: Noronhomys vespuccii. Eles nomearam o gênero em função da ilha de Fernando de Noronha porque acreditaram que o rato era endêmico à ilha. Deram nome à espécie em homenagem a Américo Vespúcio porque suas descrições foram a única referência conhecida que sugeriu "a existência de um roedor originário daquela ilha”.

O Rato de Fernando de Noronha foi o único mamífero terrestre nativo do arquipélago. Carleton e Olson (1999) estudaram seus fósseis e encontraram semelhanças em sua morfologia com a dos ratos-do-brejo semi-aquáticos (Holochilus e Lundomys) do continente sul-americano. Estes pesquisadores levantaram a hipótese de que o Noronhomys, Holochilus e possivelmente o Lundomys descendiam de um ancestral comum recente. Como os ratos-do-brejo de hoje, este ancestral pode ter vivido ao longo de pântanos, regatos e rios, construindo seus ninhos, “geralmente em grupos nas árvores e gramíneas que cresciam ao longo de regatos” (Carleton e Olson, 1999). É fácil imaginar como um grupo desses roedores poderia ter ficado preso em um tronco flutuante que partiu das margens do rio e foi arrastado para o mar pelas correntes e ventos, eventualmente aportando em Fernando de Noronha (Carleton e Olson, 1999).

Três roedores exóticos, o rato-doméstico (Rattus rattus), o camundongo (Mus musculus) e o mocó ou roedor (Kerodon rupestris) agora ocorrem em Fernando de Noronha. Acredita-se que os dois primeiros colonizaram a ilha algum tempo depois de 1503, provavelmente vindos dos navios que visitaram a ilha (Carleton e Olson, 1999). O roedor foi introduzido com sucesso em Fernando de Noronha em 1967 (Oren, 1984). Outro mamífero, o gato doméstico (Felis catus) também se encontra em Fernando de Noronha, bem como os muitos tipos de rebanhos domésticos como "cabras, carneiros, bovinos, cachorros e cavalos" (Oren, 1984).

Mamíferos Marinhos

Os golfinhos-de-bico-comprido (Stenella longirostris) utilizam a Baía dos Golfinhos da ilha principal para descanso e reprodução (Maida e Ferreira, 1997; Silva & Silva 2009).  Foto 16, Foto 17.  Seu comportamento diurno foi estudado em detalhe por Silva et al. (2005a), que descobriu que os golfinhos-de-bico-comprido têm a função de fornecedores de alimento para os peixes de recife.  Este é um papel ecológico novo, nunca antes relatado para os cetáceos.

As fezes, os vômitos e os parasitas de golfinhos-de-bico-comprido são consumidos regularmente por muitas espécies de peixes de recife de coral em Fernando de Noronha (Sazima et al. 2003, 2006). O durgon preto (Melichthys niger) é o mais ubíquo desses peixes de alimentação de subprodutos e, quando associado aos golfinhos-rotadores, seu tamanho de grupo é positivamente correlacionado com o tamanho do grupo do golfinho (Sazima et al. 2003, 2006). Foto 18.

O golfinho-de-bico-comprido alimenta-se de peixes, lulas e lagostins. A perseguição individual dos peixes e o agrupamento coordenado do cardume são as duas táticas de caça vistas mais frequentemente. (Silva et al. 2007).

A rêmora (Remora australis), um peixe oceânico em forma de disco que se fixa somente aos cetáceos, foi encontrada durante todo o ano nos golfinhos-de-bico-comprido em Fernando de Noronha (Silva-Jr. e Sazima 2003, 2006), Foto 19. O número de rêmoras encontradas por golfinho variou de um a três (Silva e Sazima 2006).

A natureza altamente social dos golfinhos pode facilitar os encontros para acasalamento entre rêmoras individuais fixas a golfinhos diferentes (Silva e Sazima 2003, 2006).

Silva e Sazima (2006) observaram rêmoras limpando feridas de golfinhos-de-bico-comprido e rêmoras alimentando-se das fezes dos golfinhos. O golfinho fornece à rêmora transporte gratuito, um lugar para viver e se acasalar, e "talvez proteção contra tubarões, atuns e golfinhos maiores (Silva e Sazima 2006)."

Répteis

Duas espécies endêmicas de répteis estão presentes no arquipélago: o lagarto vulgarmente chamado de cobra-de-duas-cabeças (Amphisbaena ridleyi) e o pequeno lagarto (Trachylepsis atlantica). Além disso, o tejo (Tupinambis merianae) e a lagartixa (Hemidactylus mabouia) foram introduzidos pelos humanos (Olson, 1981; Oren, 1984).

O lagarto Amphisbaena ridleyi (cobra-de-duas-cabeças) não possui membros e indubitavelmente é a “cobra” que Américo Vespúcio viu em 1503. Segundo Carleton e Olson (1999), este lagarto tem uma aparência de serpente que “sugeriria uma cobra para qualquer pessoa que não fosse um herpetologista”. Foto 20.

A cobra-de-duas-cabeças é uma forma verdadeiramente distinta de Amphisbaena, com uma dentição molariforme unicamente derivada para alimentar-se de caracolóis (Pregill, 1984).  Nas encostas do Morro do Pico, que é o ponto culminante (321 m) da ilha principal, a cobra-de-duas-cabeças de Fernando de Noronha é mais abundante do que os lagartos do mesmo gênero no continente (Olson, 1981).

O pequeno lagarto é “ubíquo e incrivelmente abundante” (Carleton e Olson 1999), ocorrendo em um amplo espectro de habitats, desde os costões rochosos até a floresta insular (Silva-Jr. et al. 2005c)." É comido por animais introduzidos tais como gatos, ratos e lagartos teiú (Silva-Jr. et al. 2005c).  A análise molecular de seu material genético mostra que seus ancestrais vieram da África em vez da América do Sul (Mausfeld et al., 2002). Foto 21, Foto 22.

O pequeno lagarto é um "forrageador muito versátil e oportunista" (Sazima et al. 2005) que se alimenta de um conjunto amplo de alimentos que variam do "néctar das flores aos restos alimentares dos humanos (Silva-Jr. et al. 2005c)." Entretanto, o material vegetal constitui 77% do volume de alimento que ele consome (Rocha et al. 2009). Ele não é ativo à noite (Rocha et al. 2009).

Apesar de seus "hábitos de moradia predominantemente térreos", esse lagarto é um "hábil escalador", e é frequentemente visto visitando flores da árvore leguminosa mulungu (Erythrina veluntina), a qual escala até o alto da copa para alcançá-las (Sazima et al. 2005, 2009). Como Fernando de Noronha não possui nenhum suprimento de água doce natural durante os períodos de seca, o néctar dessas flores pode ser importante para o pequeno lagarto como uma fonte de água, bem como uma fonte de açúcar energético (Sazima et al. 2005, 2009).

Sabe-se que relativamente poucos lagartos em todo o mundo visitam flores regularmente para obter o néctar. A maioria desses lagartos que visitam flores é encontrada em ilhas oceânicas e eles visitam as flores de ervas e arbustos ao invés de flores das árvores, como fazem os lagartos da família Scincidae de Noronha. Assim, ambas as espécies endêmicas de répteis encontradas em Fernando de Noronha divergiram ecologicamente de seus parentes do continente de maneira especial e notável.

Tartarugas-do-mar

A tartaruga-verde (Chelonia mydas) reproduz-se em algumas praias arenosas da ilha principal. Foto 23.  A tartaruga-de-pente (Eritmochelys imbricata) também ocorre nas águas do arquipélago, embora não se saiba se a mesma se reproduz em alguma das ilhas. Foto 24.

Um peixe de recife de coral, o labrídeo (Thalassoma notonhanum), associa-se à tartaruga-verde, já que a última espécie forrageia em busca de algas bentônicas (C. Sazima et al. 2004). Esse peixe oportunista alimenta-se "de partículas flutuantes, liberadas do fundo pela atividade de alimentação da tartaruga (C. Sazima et al. 2004)."

As algas marinhas crescem nos cascos de tartarugas marinhas, produzindo resistência e velocidade reduzida. Para limparem-se das algas, as tartarugas marinhas visitam "estações da limpeza" nos recifes, onde vivem várias espécies de camarões e de peixes herbívoros e onívoros (C. Sazima et al. 2004; I. Sazima et al. 2004). Esses peixes e camarões se alimentam não somente de algas que crescem nos cascos das tartarugas, mas também da pele que está se renovando e dos ectoparasitas da cabeça e das nadadeiras das tartarugas (Losey et al. 1994; C. Sazima et al. 2004, 2010; Grossman et al. 2006).  Foto 25.

Referências

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Informações sobre esse Artigo

Esse artigo também está disponível nas seguintes línguas: inglês

Autores: Dr. Ivan Sazima, Ph.D. em Ciências Biológicas (Zoologia) e Dr. Paul D. Haemig, Ph.D. em Ecologia Animal.

A foto no topo da página foi tirada por João Paulo Krajewski (Brasil) e ilustra a juruviara-de-noronha (Vireo gracilirostris).

A citação adequada é:

Sazima I, Haemig PD  2012   Aves, Mamíferos e Répteis de Fernando de Noronha.  ECOLOGIA.INFO 17

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