Haemig PD  (2012)  Ecologia dos Condores.  ECOLOGIA.INFO 25

Ecologia dos Condores

Nota. Esse artigo online é continuamente atualizado e revisado logo que resultados de novas pesquisas científicas tornam-se disponíveis. Portanto, apresenta as últimas informações sobre os tópicos abordados.

Os condores são aves de rapina gigantescas encontradas apenas no hemisfério ocidental. Duas espécies são reconhecidas: o condor-dos-andes (Vultur gryphus) na América do Sul e o condor-californiano (Gymnogyps californianus) na América do Norte.

O condor-dos-andes é maior em tamanho, com uma envergadura de até 3,2 metros, comparado aos 2,7 metros do condor-californiano (Houston, 1994). Embora os condores sejam diferentes o suficiente para serem classificados em dois gêneros, eles estão mais proximamente relacionados entre si do que outras aves (Sibley e Alquist, 1990) e sua ecologia é similar.

Fotos: Figura 1, Figura 2, Figura 3

Os condores pertencem à família de aves Cathartidae (também chamada de Vulturidae). Esta família é conhecida popularmente como “urubus-do-novo-mundo" porque todos os seus membros são encontrados apenas no hemisfério ocidental. A Cathartidae inclui o conhecido urubu-de-cabeça-vermelha (Cathartes aura) e o urubu-preto (Coragyps atratus), além de três outras espécies. Todos têm aparência de ave de rapina e são especializados em encontrar carne de animais mortos, da qual se alimentam. Entretanto, diferentemente dos parecidos urubus-do-velho-mundo, os quais são relacionados aos gaviões e águias, os urubus-do-novo-mundo são relacionados às cegonhas (Sibley & Alquist, 1990).

Neste relatório, analisamos as várias maneiras pelas quais os condores interagem com outros organismos e o ambiente, e explicamos por que estão ameaçados de extinção.

Biologia Geral

Ambos os condores se alimentam principalmente da carniça de mamíferos. Geralmente constroem ninhos em penhascos escarpados, embora ocorram algumas exceções (veja abaixo). A ninhada geralmente é de um ovo, entretanto, se algo ocorrer, um ovo é posto em substituição. Pelo fato de os pais condores levarem mais de um ano para criar um filhote, a taxa de reprodução é extremamente baixa: geralmente de apenas um filhote, em média, a cada dois anos.

Os condores-dos-andes em reprodução procuram alimento a 200 km de seus ninhos, enquanto os condores-californianos o fazem a 180 km (Wallace & Temple, 1987b; Meretsky & Snyder, 1992). Entretanto, quando o alimento está concentrado numa pequena área, o raio de forragem do condor é menor. Por exemplo, na árida costa do Peru, onde o oceano despeja um "suprimento de alimentos impressionantemente constante" de mamíferos e pássaros marinhos mortos, alguns condores-dos-andes limitam sua alimentação às "trechos de praia de vários quilômetros de extensão (MP Wallace em Snyder & Snyder, 2000)."

Snyder & Snyder (2000) listam três exigências de habitat para os condores: (1) ventos ou termais razoavelmente confiáveis para voar alto, (2) um habitat de alimentação suficientemente aberto para que se possa descobrir e acessar alimentos putrefatos e (3) suprimentos adequados de carniça. Um estudo sobre os condores-dos-andes no sul do Chile constatou que esses pássaros voavam alto com mais freqüência sob ventos moderados (25-48 km/h), e menos freqüentemente sob ventos fortes, isto é, acima de 64 km/h (Sarno et al., 2000).

Distribuição

No início do século XIX, os condores-dos-andes reproduziam-se ao longo de toda a cordilheira dos Andes, desde o oeste da Venezuela até a Terra do Fogo. Embora ainda sejam encontrados na maior parte desta cordilheira, sofreram intensa perseguição dos seres humanos e foram exterminados de muitos locais (Ridgely & Greenfield, 2001).

Segundo Murphy (1932), o condor-dos-andes é “um pássaro da montanha”, que permanece em altas elevações em "partes chuvosas e cobertas de florestas da América do Sul", mas que "regularmente desce até o nível do mar em distritos desertos", como por exemplo ao longo da árida costa pacífica do Peru e ao norte do Chile, e também ao longo da árida costa atlântica da Patagônia, desde o sul do Rio Negro até o Estreito de Magalhães (Murphy, 1936).

Além de ocorrer nas principais cadeias da cordilheira dos Andes, o condor-dos-andes também é encontrado em algumas cadeias montanhosas próximas. Por exemplo, ocorre nas zonas temperadas e nos páramos da Serra Nevada de Santa Marta na costa caribenha da Colômbia (Norton, 1975; Hilty & Brown, 1986), na Serra de Perijá na fronteira da Colômbia com a Venezuela (Calchi & Viloria, 1991; Hilty, 2003) e na Serra de Córdoba no centro da Argentina (Hendrickson et al., 2003). Também adentra o território brasileiro, no estado do Mato Grosso, especificamente na “região do Rio Jauru a oeste de Cáceres (Sick, 1993)”.

No século XIX, o condor-californiano era encontrado ao longo da costa oeste da América do Norte, desde o sul de British Columbia até a Serra San Pedro Martir ao norte da Baixa Califórnia (Snyder & Snyder, 2000). Nessa época, o pássaro também foi encontrado em Alberta, Montana, Idaho, Utah e Arizona, mas se desconhece se os indivíduos observados estavam nidificando no interior desses estados ou simplesmente passando por lá (Snyder & Rea, 1998; Snyder & Snyder, 2000). Os primeiros ornitólogos nunca tentaram encontrar ninhos do condor-californiano ao norte de São Francisco ou fora da Califórnia; por esse motivo, o exato alcance das áreas de reprodução das espécies no século XIX é desconhecido.

Tradições orais dos índios Blackfoot relatam a observação ocasional e possíveis ninhos do condor-californiano em Montana e Alberta durante o século XIX, e sobre as visitas desse pássaro às matanças de bisões nas planícies (Schaeffer, 1951). A confirmação da ocorrência de condores em Alberta foi dada por Fannin (1897), que observou dois indivíduos entre Calgary e as Montanhas Rochosas. Em Idaho, o condor foi relatado como "não incomum" próximo a Boise antes de os pecuaristas começarem a "envenenar carcaças para matar lobos (TE Wilcox em Lyon, 1918)”.

Durante a primavera, ao longo do Rio Columbia, o condor-californiano foi “particularmente vinculado às proximidades das cascatas e cachoeiras, sendo atraído pelo grande número de salmões mortos”, dos quais se alimenta (Townsend em Audubon, 1831-39) . Ao longo do mesmo rio, o condor também foi visto “próximo a vilas indígenas [norte-americanas], tendo sido atraído pelos restos de peixes jogados próximos a suas habitações (Townsend em Audubon 1831-39)”. No Arizona, muitos ornitólogos renomados, como Elliott Coues por exemplo, observaram condores-californianos entre 1865 e 1924, e consideraram que estariam nidificando naquele estado (Snyder & Rea, 1998).

No final dos séculos XIX e XX, o envenenamento e a caça dos condores causaram um declínio maciço de muitas populações, resultando no desaparecimento dos condores de ambas as espécies de muitas partes de suas antigas áreas. A situação tornou-se especialmente difícil para o condor-californiano, que tornou-se extinto na natureza entre 1987 e 1992.

Felizmente, a reprodução em cativeiro e os programas de libertação começaram a restituir os condores à natureza em algumas áreas das antigas cadeias (por exemplo, Califórnia, Arizona, Baixa Califórnia, Colômbia e Venezuela). Contudo, pelo fato de os casais de condores em nidificação de ambas as espécies criarem apenas um filhote a cada dois anos em média, e também porque o envenenamento e a caça ainda continuam a causar a morte dos condores a índices alarmantes, serão necessários muitos anos antes que o número de condores selvagens retorne aos níveis do século XIX. Até então, as populações de ambas as espécies de condores continuarão ameaçadas.

Distribuições Pré-Históricas

Ambas as espécies de condores eram mais abundantes nos períodos pré-históricos do que no século XIX. Durante o Pleistoceno nas Américas do Norte e do Sul, por exemplo, os condores parecem ter se distribuído por ambos os continentes, desde o Atlântico até o Pacífico, ocorrendo em muitas áreas onde não se encontram hoje.

Uma possível explicação para o florescimento dos condores nesta época é que grandes manadas de ungulados, bem como outros grandes mamíferos, tais como preguiças e elefantes, cruzavam as Américas naquela ocasião, fornecendo aos condores uma abundância de carniça das quais se alimentavam. Muitos desses mamíferos pré-históricos estão em extinção, portanto a redução dos grupos de condores pode de certa forma ser relacionada a este fato (Emslie, 1987; Steadman & Miller, 1987).

Entretanto, outras explicações também são possíveis. Por exemplo, a matança de condores pelos índios americanos para fins cerimoniais (McMillan, 1968; Snyder & Snyder, 2000) pode ter aumentado desde o Pleistoceno, e apenas esta atividade pode ter causado a extinção dos condores em partes significativas de suas áreas de abrangência. Alternativamente, as condições dos ventos, que permitem que esses pássaros voem alto, podem ter ficado menos favoráveis em algumas regiões, resultando no abandono dessas áreas (Tonny & Noriega, 1998).

Fósseis de condores do Pleistoceno foram encontrados em vários locais fora das áreas de distribuição de ambas as espécies no século XIX.  Por exemplo, restos de um condor-dos-andes de 13.000 anos de idade foram encontrados em cavernas em Lagoa Santa, Minas Gerais, Brasil (Alvarenga em Sick, 1993), enquanto restos do condor-californiano de 9.500 a 16.000 anos foram descobertos em Nova Iorque, Flórida, Texas, Novo México e Arizona, bem como na Califórnia e em outros estados da região oeste (Emslie, 1987; Snyder & Snyder, 2000; Brasso and Emslie 2006). 

Os fósseis do condor-californiano descobertos a oeste do estado de Nova Iorque, próximo à vila de Byron, no condado de Genesee, são especialmente interessantes porque datam de uma época (9.000 A.C.) quando a flora e a fauna estavam reocupando a terra após o derretimento dos glaciares. A vegetação conífera e boreal, caracterizada por píceas (Picea sp.) e pinheiros (Pinus banksiana), dominava a área naquela época e acredita-se que o clima fosse frio. Os fósseis encontrados em associação aos do condor-californiano neste local incluíam os extintos mastodontes (Mammut americanum), renas (Rangifer sp.) e veados (Cervus elaphus).

Essas constatações demonstram que o condor-californiano "conseguia viver em um clima mais frio e num ambiente boreal e conífero numa época em que o alimento adequado (carniça de mamíferos de grande porte) estava disponível (Steadman & Miller, 1987)." Synder & Snyder (2000) ressaltam que a presença dos fósseis de condores-californianos em locais tão afastados uns dos outros, como Nova Iorque, Flórida, região sudoeste e nordeste do Pacífico, sugere que esta espécie apresenta "tolerâncias climáticas e habitats muito amplos”. Sua conclusão também é apoiada pela vasta distribuição do condor-californiano no oeste da América do Norte no início do século XIX, uma extensão que incluía a região costeira do Pacífico, desde British Columbia até a Baixa Califórnia, e no interior até as regiões do Grand Canyon e das Montanhas Rochosas (veja a seção anterior).

Seleção de Locais para Ninhos

Ambas as espécies de condores nidificam principalmente em penhascos. Entretanto, informações detalhadas sobre as características do local dos ninhos estão disponíveis atualmente apenas em relação ao condor-californiano.

Os condores-californianos constroem ninhos desde a proximidade do nível do mar até uma altitude de 1.830 metros (Snyder et al., 1986). Os locais para ninhos em altas elevações diferem daqueles em baixas altitudes, uma vez que estes geralmente estão voltados para o sul; contudo não se sabe se os penhascos voltados para o sul são utilizados com maior freqüência porque são mais aquecidos ou simplesmente porque são mais abundantes (Snyder et al., 1986).

Embora a maioria dos ninhos dos condores-californianos seja construída em penhascos (em buracos, fendas, fissuras ou saliências suspensas), alguns são montados em fendas entre grandes blocos de pedra arredondadas em encostas escarpadas e em cavidades naturais de grandes árvores (Snyder et al., 1986). Na Serra Nevada, por exemplo, os condores não apenas nidificam em penhascos, mas também em cavidades da sequóia-gigante (Sequoiadendron giganteum), a maior espécie de árvore do mundo (Koford, 1953; Snyder et al., 1986). Um ninho construído numa sequóia ficava a 29 metros acima do solo, enquanto outro, situado em uma sequóia diferente, estava a 30 metros (Snyder et al., 1986). Ambos foram colocados em cavidades “produzidas pelo desgaste de ramos nos principais troncos das árvores (Snyder et al., 1986)”.

Numa pesquisa com 96 sequóias-gigantes, Snyder et al (1986) constataram que 20% dessas árvores apresentavam cavidades naturais, todas produzidas por desgastes semelhantes, demonstrando a dependência dos condores-californianos em relação aos fogo selvagem para produzir buracos para ninhos nessas árvores. Nas Montanhas de Santa Lucia na costa da Califórnia Central, um ninho de condor foi encontrado “no oco de um antigo e alto carvalho, num íngreme barranco, próximo ao cume de um dos picos mais altos (Taylor, 1859)”.

O condor-californiano macho encontrou um local para construir o ninho na cavidade de uma sequóia-gigante, sendo que, no ano anterior, havia nidificado com outra fêmea a 150 km de distância num buraco em um penhasco, demonstrando que pelo menos alguns indivíduos diversificam a escolha dos locais para nidificação (Snyder e Johnson, 1985).

Os condores-californianos parecem evitar construir ninhos em áreas onde as águias-reais (Aquila chrysaetos) são comuns (Snyder & Snyder, 2000). Entre os vários locais de nidificação estudados nos anos 80, apenas um estava situado num território onde a observação de águias-reais era freqüente (Snyder & Snyder, 2000). Felizmente para os condores, este território também apresentava numerosos ninhos de falcões-da-pradaria (Falco mexicanus), que protegiam o ninho do condor contra a predação das águias ao espantá-las (para obter mais informações, consulte a próxima seção: Associações de Ninhos para Proteção).

Conforme mencionado anteriormente, o condor-dos-andes também constrói ninhos principalmente em penhascos, entretanto, de maneira semelhante ao condor-californiano, é adaptável e pode nidificar em outros lugares. Por exemplo, ao longo da costa árida do Peru, onde o terreno é relativamente plano, alguns locais de ninhos dessa espécie são “pouco mais do que fendas parcialmente cobertas por sombra pegadas a grandes blocos de pedra arredondados em pequenas inclinações (MP Wallace em Snyder & Snyder, 2000)."  Cavernas também são usadas para a nidificação, especialmente aquelas localizadas em penhascos (Lambertucci et al. 2008).

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Fotografia:  Condor-dos-Andes.  Foto de Jacob Dockendorff (Canadá).

 

 

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