As invasões biológicas são um dos piores problemas ecológicos atuais. Constitui
no estabelecimento de espécies animais ou vegetais, vindas de outras regiões –
e, portanto, denominadas exóticas – em ecossistemas naturais ou manejados pelo
homem, e seu posterior alastramento, de forma que passam a dominar o ambiente e
a causar danos às espécies originais e ao próprio funcionamento dos
ecossistemas. Em muitos casos, invasões biológicas causam a extinção de espécies
nativas.
Embora Darwin, em 1860, já tivera notado o problema da invasão biológica, o
primeiro cientista a escrever sobre o assunto foi Charles Elton, por volta de
1950. No entanto, somente por volta de 1980 é que a comunidade científica
realmente percebeu o grande problema que as invasões biológicas representavam.
Apesar de existirem invasões biológicas naturais, como a migração maciça de
mamíferos norte-americanos para a porção sul do continente - que ocorreu após a
formação da América Central (Era Quaternária, período Pleistoceno) a grande
maioria das invasões biológicas modernas é causada pelo homem que, acidental ou
propositalmente, transporta espécies de um local para outro, introduzindo-as no
novo ambiente.
Podemos citar alguns casos que se tornaram clássicos e contribuíram para alertar
sobre o problema das invasões biológicas, como a introdução de coelhos
Oryctolagus cuniculus na Inglaterra e na Austrália. Esses coelhos, originários
da Península Ibérica, foram levados da França para a Inglaterra, no século XII
e, em 1778, daí para a Austrália. Eles se tornaram praga tanto na Inglaterra
como na Austrália, gerando grande prejuízo por perdas agrícolas. Seu controle
foi tentado por meio de sua contaminação pelo vírus da mixomatose que, embora
letal à grande maioria dos indivíduos, deixou de sê-lo na medida em que foi
havendo a seleção de populações do coelho resistentes ao vírus.
Outro exemplo
famoso é o do “molusco zebrado” Dreissena polymorpha, acidentalmente levado aos
Grandes Lagos (Estados Unidos e Canadá) em cascos de navios, e que se tornou uma
grande praga, ameaçando a fauna nativa. Citamos ainda o exemplo da abelha
européia africanizada Apis mellifera, introduzida no Brasil para pesquisa
científica, e que escapou do controle dos laboratórios, espalhando-se por toda a
América do Sul e Central. Essa abelha é agressiva ao ser humano e também compete
por recursos com as abelhas nativas.
Dentre as plantas, muitas delas foram
introduzidas como ornamentais e tornaram-se grandes invasoras de ambientes
terrestres, como é o caso de Impatiens parviflora (beijinho), Archontophoenix
cunninghamiana (palmeira imperial australiana), várias espécies de Pinus
(pinheiro) e Eucalyptus (eucalipto), dentre centenas de outras plantas.
Salvinia
molesta e Eichhornia crassipes (aguapé) são exemplos de plantas aquáticas
sul-americanas que se tornaram infestantes de lagos e represas de toda a faixa
tropical do globo. Com explosões populacionais periódicas, estas espécies
diminuem a oxigenação da água, levando à morte peixes e outros organismos
aquáticos (Muitos outros exemplos foram reunidos por Wittenberg & Cock 2001).
Todas as espécies que se tornam invasoras são altamente eficientes na competição
por recursos, o que as leva a dominar as espécies nativas originais. Têm também
alta capacidade reprodutiva e de dispersão.
O processo de invasão biológica pode ser dividido em quatro fases distintas: a
chegada (ou introdução) da espécie, seu estabelecimento (ou fixação), sua
expansão e o equilíbrio da espécie na comunidade (Williamson 1996). Na grande
maioria dos casos, esse equilíbrio se dá com uma grande dominância da espécie
invasora na comunidade, levando a uma condição ecologicamente inferior à
original, com perda de biodiversidade no nível de espécies e de processos
ecológicos.
Caracterização do Cerrado e de sua
Biodiversidade
Ao se tratar do tema "invasões biológicas”, é fundamental compreender o contexto
ecológico da área que vem sofrendo o processo de ocupação por espécies exóticas.
As características físicas e biológicas de um ecossistema, bem como as
alterações de origem natural ou humana pelas quais passa, determinam os
processos de ocupação desse ambiente pela biota.
O Domínio Fitogeográfico do Cerrado (sensu Ab´Saber 1971), assentado sobre o
Planalto Central Brasileiro, está sob a influência de clima tropical úmido e com
forte estacionalidade, caracterizando-se como clima savânico (Walter 1986;
Camargo 1971).
Os solos do cerrado, apesar de serem quimicamente pobres, inférteis, possuem uma
boa estrutura física. Essa vantagem, aliada a um relevo predominantemente plano
ou suavemente ondulado, favorece a pecuária intensiva e a agricultura
mecanizada, razões pelas quais o cerrado vem sendo rapidamente substituído por
culturas e pastagens.
A vasta área ocupada pelo Domínio do Cerrado abrange grande variação latitudinal
e condições geomorfológicas diversas, o que favorece a ocorrência de uma gama de
tipos e formas vegetacionais (sensu Eiten 1987), onde se encontram não apenas as
fisionomias do cerrado sensu lato - campo limpo, campo sujo, campo cerrado,
cerrado sensu stricto e
cerradão (Coutinho 1978) (Figura
1, Figura 2,
Figura 3) - mas também
outras fisionomias florestais, como florestas decíduas, semi-decíduas,
ribeirinhas - e fisionomias campestres, como campo úmido, campo rupestre,
perfazendo mais de 20 fitofisionomias (Ribeiro & Walter 1998). Essa variedade de
habitats é, por sua vez, povoada por uma grande diversidade de vegetais e
animais, tendo sido registradas mais de 6.000 espécies de plantas vasculares
(Mendonça et al. 1998) e cerca de 1.270 espécies de vertebrados terrestres
(Myers et al. 2000) para o Domínio.
O alto grau de peculiaridade e endemismo da flora savânica do Cerrado já é
reconhecido desde há várias décadas (Rizzini 1971; 1997; Goodland & Ferri 1979)
(Figura 4). No entanto, contrariando idéias mais antigas, o maior conhecimento
de sua fauna também vem, recentemente, mostrando um grande número de espécies
endêmicas. Silva & Bates (2002), congregando dados de diversos trabalhos,
mostram graus de endemismo da magnitude de 44% para plantas vasculares, 30% para
anfíbios, 20% para répteis, 12% para mamíferos e 1,4% para aves, dentro do
Domínio.
Hoje, em razão da intensa substituição do cerrado sensu lato por monoculturas e
pastagens, grande parte dessa biodiversidade está sendo perdida. Porém, outro
fator que grandemente ameaça a biodiversidade do cerrado é o fenômeno da invasão
biológica, no qual espécies exóticas com alta capacidade competitiva dominam as
nativas e acabam por extingui-las.
Praticamente todas as unidades de conservação (reservas biológicas, parques,
etc) que visam a proteção de ecossistemas do cerrado encontram-se atualmente, em
maior ou menor grau, invadidas por espécies exóticas, que lá encontraram
ambiente propício e ausência de inimigos naturais.
Quem são as Invasoras do Cerrado?
Uma vez que o cerrado sensu lato admite fisionomias abertas e com farto estrato
herbáceo graminoso (campo limpo, campo sujo, campo cerrado, cerrado sensu
stricto), sua vocação, em termos de uso antrópico, sempre foi voltada às
pastagens. Estas, que inicialmente eram extensivas e baseadas nas espécies
nativas, foram sendo "enriquecidas" ou totalmente substituídas por espécies
exóticas, com maior produtividade. Especialmente na década de 1970, os cerrados
ganharam um novo tipo de ocupação: silvicultura com espécies de Pinus e
Eucalyptus. A suavidade do relevo, facilitando grandemente a mecanização, e a
baixa fertilidade das terras do cerrado, propiciando baixo custo por área, foram
as vantagens de se utilizá-lo para a implantação dessas grandes monoculturas.
Em virtude desses usos, as plantas exóticas que se tornaram invasoras do cerrado
são justamente algumas espécies de gramíneas de origem africana - especialmente
Melinis minutiflora (capim gordura), Hyparrhenia rufa (capim jaraguá),
Panicum
maximum (capim colonião) e Brachiaria spp. (braquiárias), introduzidas como
forrageiras para a criação de gado bovino (Figura 5) - além da pteridófita
Pterydium aquilinum (samambaia brava), que é uma espécie ruderal de ampla
distribuição em todo o mundo. No estado de São Paulo, Pinus elliottii (pinheiro)
também se tornou espécie invasora de cerrados próximos a silviculturas com essa
espécie (Figura 6,
Tabela 1), entretanto, não há estudos, até o momento, que
caracterizem o processo de invasão dos cerrados por Pinus.
Gramíneas Africanas: As Grandes Vilãs
Dentre as invasoras mais agressivas do cerrado, encontram-se as gramíneas
africanas. Ao chegarem no cerrado, encontraram condições ecológicas semelhantes
às de seus habitats de origem - as savanas africanas - o que facilitou sua
disseminação. Além da semelhança climática (especialmente os regimes de chuvas e
temperatura), fatores de sua própria biologia também contribuíram para seu
sucesso como invasoras do cerrado: são heliófilas e possuem metabolismo C4,
sendo adaptadas para colonizar áreas abertas e ensolaradas, como os campos e
cerrados brasileiros; têm alta eficiência fotossintética e na utilização dos
nutrientes, sobrevivendo em solos menos férteis; apresentam altas taxas de
crescimento, rebrotamento e regeneração, além de alta tolerância ao
desfolhamento e à herbivoria; sua eficiência reprodutiva se deve ao ciclo
reprodutivo rápido, à intensa produção de sementes com alta viabilidade, que
formam um banco de sementes denso, à alta capacidade de dispersão por sementes
anemocóricas e por reprodução vegetativa, à alta capacidade de germinação. Todos
esses fatores caracterizam um comportamento oportunista, que permite a rápida
re-colonização de áreas queimadas e/ou perturbadas, fazendo com que essas
gramíneas africanas possam competir com vantagem e deslocar espécies nativas do
cerrado (Coutinho 1982; Baruch et al. 1985; D’Antonio & Vitousek 1992; Freitas
1999; Pivello et al. 1999a).
Além de afetarem diretamente as populações herbáceas nativas por competição,
podendo causar extinções locais e perda direta de biodiversidade, as gramíneas
africanas impactam o ecossistema como um todo, descaracterizando as fisionomias
e modificando sua estrutura. Alguns estudos mostram que, devido à intensa
produtividade dessas gramíneas, que geram grande quantidade de biomassa
combustível - especialmente na época seca, quando suas partes epígeas tornam-se
dessecadas - podem alterar o regime de fogo das áreas invadidas, facilitando a
ocorrência de grandes incêndios (Hughes et al. 1991; D’Antonio & Vitousek 1992;
Asner & Beatty 1996); podem também alterar processos vitais, como o ciclo de
nutrientes, reduzindo drasticamente a quantidade de nitrogênio inorgânico no
solo, em razão da grande captação e utilização deste elemento durante seu
crescimento. Em consequência, outros processos ecológicos, como a dinâmica
sucessional, podem ser comprometidos (D’Antonio & Vitousek 1992; Asner & Beatty
1996). Ainda, ao formarem densa camada de biomassa, reduzem drasticamente a
luminosidade na superfície do solo, podendo impedir os processos de germinação e
o recrutamento de espécies nativas presentes no banco de sementes, bem como a
regeneração natural de habitats (Hughes & Vitousek 1993).
Os efeitos nocivos das gramíneas exóticas, porém, não se dão apenas por
competição com plantas nativas. A fauna também pode ser afetada, especialmente
por substituição de espécies vegetais que lhes serviam como fonte de alimento ou
por modificação de habitat. Por exemplo, Develey et al. (no prelo) citam que a
patativa-verdadeira (Sporophila plumbea) - ave típica de beira de mata e
vegetação ribeirinha e que ocorre no Cerrado Pé-de-Gigante - come sementes de
gramíneas, mas não das gramíneas invasoras, e não se adapta às áreas invadidas
pelas gramíneas exóticas, encontrando-se hoje em perigo de extinção local.
A presença de gramíneas africanas é praticamente certa, hoje em dia, em qualquer
área de cerrado, especialmente nas unidades de conservação (Pivello et al.
1999a; 1999b).
Embora, nos últimos anos, a conscientização para o problema das invasões
biológicas tenha ocorrido no meio técnico-científico, ainda são escassas as
pesquisas que diagnostiquem os efeitos dessas invasões biológicas no cerrado.
Alguns estudos realizados em unidades de conservação, no estado de São Paulo,
antevêem prováveis efeitos competitivos entre Melinis minutiflora e Brachiaria
decumbens com as herbáceas nativas, oferecendo perigo de exclusão destas
últimas pelas primeiras (Pivello et al. 1999a, 1999b).
No Cerrado de Emas (Pirassununga, SP), Pivello et al. (1999b) analisaram a
comunidade herbáceo-subarbustiva da fisionomia “campo cerrado”, tendo verificado
que, das 52 espécies herbáceas amostradas, duas gramíneas africanas - Melinis
minutiflora e Brachiaria decumbens - estiveram entre as quatro espécies mais
freqüentes e abundantes na comunidade. Dentre os parâmetros fitossociológicos
calculados (conforme Mueller-Dombois & Ellenberg 1974), o valor de importância
será aqui destacado, por ser um índice que, ao considerar informações sobre
densidade, freqüência, dominância e vigor da espécie em foco em relação ao total
das espécies, resume sua importância na comunidade. Assim, Melinis minutiflora
apresentou o segundo maior valor de importância dentre as 52 espécies amostradas
no cerrado de Emas, enquanto que Brachiaria decumbens foi a quarta colocada na
comunidade (Tabela 2).
A invasão biológica por Melinis minutiflora e Brachiaria decumbens também foi
diagnosticada em outras áreas de cerrado no estado de São Paulo. No Cerrado
Pé-de-Gigante (Pivello 1999a), foram quantificadas as espécies herbáceas nas
fisionomias de campo cerrado e em cerrado sensu stricto, separadamente, tendo-se
encontrado, respectivamente, 36 e 85 espécies em cada fisionomia, sendo 28 delas
comuns às duas fisionomias. Melinis minutiflora foi encontrada apenas no campo
cerrado e Brachiaria decumbens, apenas no cerrado sensu stricto. Ambas foram
muito expressivas nas comunidades em que ocorreram, tendo sido responsáveis pelo
primeiro e o segundo valores de importância, respectivamente (Tabela
2).
Ainda, num terceiro trabalho realizado em dois fragmentos de cerrado sensu
stricto (fragmentos Valério e Botelho) próximos à Estação Ecológica de Itirapina
(Itirapina, SP), Pivello et al. (dados não publicados) encontraram riquezas
específicas semelhantes no estrato herbáceo dos dois fragmentos: 41 e 42
espécies. Em ambos os fragmentos, Melinis minutiflora apresentou o maior valor
de importância de toda a comunidade herbácea e Brachiaria decumbens colocou-se
em quinto e sexto lugares, respectivamente para os fragmentos Valério e Botelho
(Tabela 2).
Uma vez que a abundância de espécies exóticas representa um indicador do grau de
alteração nas comunidades naturais, os três cerrados amostrados mostraram-se
como áreas altamente perturbadas, não apenas nas bordas do fragmento, mas em
toda a sua extensão.
Foram testadas associações inter-específicas entre as gramíneas exóticas -
Melinis minutiflora e Brachiaria decumbens - e seis das espécies de graminóides
(Poaceae e Cyperaceae) nativas mais abundantes no Cerrado Pé-de-Gigante,
resultando em interações fortemente negativas (Tabela 3). Esses resultados
sugerem que está havendo um efeito de exclusão sobre as graminóides nativas,
exercido pelas exóticas.
Considerando-se os padrões de distribuição temporal de Melinis minutiflora e
Brachiaria decumbens, é provável que, tanto no Cerrado de Emas como no Cerrado
Pé-de-Gigante, houve primeiramente o estabelecimento de M. minutiflora, seguida
por B. decumbens (Pivello et al. 1999a; 1999b). Com relação aos padrões de
distribuição espacial, percebe-se que B. decumbens inicia sua ocupação nas
bordas do fragmento de cerrado, cobrindo totalmente o solo onde se estabelece e
avançando maciçamente para o centro. M. minutiflora vai ocupando a área também
pelas bordas e margens de estradas, mas utiliza-se de trilhas e outras porções
de solo nu (como sobre ninhos de formigas), numa disseminação mais espaçada
(também observado por Coutinho [1982] e Freitas [1999]).
Como Lidar com as Invasoras?
Existem diferentes níveis de abordagem para o manejo das espécies invasoras. Em
primeiro lugar, há a possibilidade de se fazer o controle da espécie ou a sua
erradicação. Em geral, é muito difícil de se erradicar uma invasora em áreas
naturais, uma vez que isso exige tratamentos mais drásticos, que podem
comprometer as espécies nativas locais (Wittenberg & Cock 2001). É preferível,
então, manter as invasoras sob controle.
O controle das invasoras também pode ocorrer em diferentes níveis: fazendo-se o
manejo de populações e comunidades, por meio de técnicas mecânicas, químicas, ou
biológicas, que desfavoreçam a espécie invasora e/ou favoreçam as nativas; por
meio do manejo de habitats, onde são centrados esforços na recuperação do
habitat afetado; pelo manejo da paisagem, por exemplo, aplicando-se medidas que
alterem os usos das terras ou as relações espaciais entre os elementos da
paisagem. As estratégias podem ainda ser preventivas ou remediadoras.
Quanto às técnicas para o controle das invasoras, estudos específicos e
experimentos que apontem soluções praticamente inexistem, ainda mais
considerando-se que as principais invasoras de cerrado – gramíneas forrageiras –
são espécies de interesse econômico. Sendo assim, quase a totalidade dos estudos
até agora realizados com gramíneas africanas no Brasil teve o enfoque
pecuarista, com o objetivo de aumentar a produtividade e o vigor destas
espécies, ou seja, o inverso dos objetivos conservacionistas. É, portanto,
premente a necessidade de experimentação, in loco e em laboratório, para se
testar técnicas de combate mecânico, químico, biológico e de arranjo espacial
dos elementos da paisagem, a fim de controlar a invasão dessas gramíneas
exóticas.
Dentre as técnicas mecânicas, o arranquio, o corte raso, o sombreamento e a
queima podem ser opções, embora adequadas para situações diferentes. O arranquio
manual ou mecanizado tem a grande desvantagem de revolver o solo, o que, para
várias dessas espécies, pode estimular ainda mais sua disseminação, uma vez que
se observa seu estabelecimento em áreas preferencialmente perturbadas (Coutinho
1982; Freitas 1999; D‘Antonio & Meyerson 2002). Entretanto, pode ser utilizado
sobre focos pequenos e isolados, tomando-se o cuidado de exercer perturbações
mínimas.
A opção pelo corte raso tem por princípio a retirada de nutrientes por meio da
biomassa epígea e o conseqüente enfraquecimento da planta. Devem ser testadas a
melhor época e freqüência de aplicação. O sombreamento também promove o
enfraquecimento e morte das gramíneas invasoras, especialmente por elas terem
metabolismo C4 (Klink & Joly 1989; Mozeto et al. 1996). O grau de sombreamento,
porém, deve ser testado e balanceado para que não afete severamente as espécies
nativas.
O fogo pode ser uma outra alternativa para o controle de gramíneas exóticas. No
caso de Melinis minutiflora, observa-se que queimadas periódicas, principalmente
se conduzidas durante sua floração, reduzem seu vigor e favorecem as herbáceas
nativas do cerrado (Pivello 1992). Essa estratégia de manejo da comunidade visa,
portanto, aumentar a capacidade competitiva das nativas em relação a essa
invasora. No caso de Brachiaria decumbens, ao contrário, o fogo parece estimular
seu crescimento. Esta espécie tem se mostrado extremamente agressiva em
fragmentos de cerrado do estado de São Paulo, com vantagem competitiva sobre as
nativas e até mesmo sobre Melinis minutiflora (Pivello et al. 1999a; 1999b), e
formando grandes manchas monoespecíficas onde se estabelece. Em casos assim, e
cientes de todos os riscos ambientais possíveis numa unidade de conservação,
acreditamos que o controle químico, por meio de herbicidas de baixo efeito
residual, seja uma das pouquíssimas opções para o controle da invasora (Pivello
1992; Durigan et al. 1998). Certamente, todas as precauções devem ser tomadas
para se evitar poluição do solo e corpos d´água ou envenenamento de animais.
Técnicas mistas, com a combinação de fogo e herbicida, ou fogo e corte, também
merecem ser testadas.
Dentre as técnicas biológicas, o tradicional controle biológico por meio de
parasitas (bactérias, vírus inoculados) ou de insetos predadores não seria
possível no caso das forrageiras africanas, uma vez que essas espécies são de
grande importância para a pecuária e esta técnica poderia causar enormes
prejuízos econômicos. Entretanto, em situações onde a gramínea invasora se
estabelece em grandes manchas monoespecíficas, especialmente nas bordas da
unidade de conservação - como é o caso de Brachiaria decumbens no Cerrado
Pé-de-Gigante - uma outra possibilidade é o uso de gado bovino em condição de
sobrepastejo. Nesse caso, os animais deverão ser lavados e alimentados somente
com ração durante os dias que antecedem sua colocação na área, bem como
confinados aos locais específicos de grande infestação da gramínea invasora.
As técnicas aqui denominadas "de arranjo espacial" são principalmente
preventivas, envolvendo a manipulação de elementos da paisagem. Incluem a
instalação de "cortinas verdes" - preferencialmente com plantas lenhosas nativas
- ao redor do fragmento de cerrado, para diminuir a chegada das sementes
anemocóricas das invasoras. No caso de unidades de conservação, é essencial que
se faça o planejamento de uso das terras no seu entorno, estabelecendo-se
zonas-tampão, preferencialmente ocupadas por espécies arbóreas perenes, e
mantendo-se um distanciamento de pastagens implantadas. O Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC), definitivamente instituído em 18/julho/2000 (Lei
Federal nº 9.985), reconhece a necessidade de se estabelecer uma zona de
amortecimento ao redor das unidades de conservação, para a qual são definidas
normas e limites de uso.
Outras medidas preventivas simples, mas importantes, devem ser exigidas de
pesquisadores, estudantes e todos que adentrarem unidades de conservação, como o
uso de perneiras e calçados de couro liso, ou a colocação de sacos plásticos
sobre a perna, para dificultar a aderência de sementes de espécies exóticas.
Existem prós e contras em relação a todas as técnicas acima citadas. As opiniões
divergem quanto à sua eficácia, ainda mais porque as invasoras podem responder
diferentemente aos tratamentos, porém, quase nada ainda foi testado. Sem
experimentos que elucidem a questão, as invasões vão progredindo rapidamente nos
cerrados.
Por fim, é também primordial que políticas nacionais para o controle de espécies
exóticas sejam implantadas, envolvendo desde o esclarecimento e a educação da
população acerca dos potenciais danos, como uma legislação específica para seu
transporte, introdução e contenção, além da fiscalização efetiva para o
cumprimento dessas medidas.
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