Corais Formadores de Recifes
Os corais que formam recifes (i.e. corais
hermatípicos) não crescem em águas onde há sedimentos, porque o silte
bloqueia a luz do sol de que as algas simbióticas dos corais necessitam para
fotossintetizar energia (Cox e Moore, 2000). Para os corais formadores de
recifes é muito difícil crescer em fundos lodosos e em águas de salinidade
reduzida. Por esses motivos, quase não se encontram recifes de coral numa
faixa de 2.800 quilômetros da Barreira Amazônica, do delta do Orinoco até
Fortaleza, no Brasil (Briggs, 1974, Veron, 1995), e a barreira parece
impedir a dispersão de muitas espécies de coral através dela.
Na costa do Brasil, a leste da Barreira
Amazônica, existem muitas espécies de corais que não são encontradas no
Caribe e vice-versa. Por exemplo, das 20 espécies e 13 gêneros de corais
formadores de recifes que ocorrem entre Alcântara (2ºS) e o Rio de Janeiro,
8 espécies (40%) e um gênero (8% - Mussismilia) são endêmicos (Maida e
Padovanio Ferreira, 1997).
As espécies de coral abaixo são endêmicas nos
recifes do Brasil a leste da Barreira Amazônica:
Corais Escleractíneos
Favia gravida
Favia leptophylla
Mussismilia brasiliensis
Mussismilia harti
Mussismilia hispida
Siderastrea stellata
Hidrocorais
Millepora braziliensis
Millepora nitida
Fontes:
Maida and Padovanio Ferreira (1997); Nunes et al. (2011)
Dez outras espécies de coralais
escleractíneos e duas outras espécies
de Hidrocoral são encontradas também nos recifes brasileiros com as espécies
endêmicas acima, mas essas 12 últimas espécies de coral ocorrem também no
Caribe (Maida e Padovanio Ferreira, 1997).
Somente uma espécie de coral mole que habita os recifes (Neopongodes
atlantica) é encontrada nos recifes a leste da Barreira Marinha do Amazonas,
e essa espécie também é endêmica na costa leste do Brasil (Maida e Padovanio
Ferreira, 1997).
Ao longo da costa leste do Brasil, a distribuição de espécies de coral é
dividida também por outra barreira menor de água doce e sedimentos lançados
no mar. Essa água doce provém do rio São Francisco, que banha o estado da
Bahia, corre ao longo da fronteira entre os estados de Sergipe e Alagoas e
desemboca no Oceano Atlântico a aproximadamente 11º de latitude sul. Ao
norte e ao sul desse ponto de entrada, existem diferenças entre as espécies
de coral encontradas, mas o número de espécies de coral em ambas as áreas é
aproximadamente o mesmo (Belém et al., 1986; Veron, 1995).
Peixes de Recife em Águas Rasas
Praticamente todos os peixes de recife têm larvas que viveram algum tempo ao
sabor das marés como plânctons. No entanto, o tempo passado nesse estágio
planctônico varia em função do modo de desova (Floeter e Gasparini, 2000). O
período larval dos peixes do tipo pelágico e balistídeo (principalmente
balistídeos, monacantídeo e tetraodontídeo) é mais longo (20 a 50 dias) em
relação aos peixes demersais normais (i.e. peixes que desovam no fundo do
mar), que é de 15 a 25 dias. (Thresher, 1991, Floeter e Gasparini, 2000). O
reduzido período larval dos peixes demersais levam ao prognóstico de que
eles têm mais dificuldade em se dispersar através da Barreira Amazônica para
colonizar recifes no Caribe.
Esse prognóstico mostrou-se correto. Quarenta e cinco (12,7%) das 353
espécies de peixe de recife encontradas na plataforma leste da Barreira
Marinha Amazônica no Brasil são endêmicas à região (Rocha, 2003). Três
quartos desses peixes de recife endêmicos são peixes de desova demersal
bêntica, embora somente 30% dos peixes de recife encontrados nessa área
busquem locais demersais e bênticos para desovar (Floeter e Gasparini,
2000).
Gastrópodes de Praias Rochosas
Vermeij (1978) afirma que muitos gastrópodes de praias rochosas e
superfícies abertas são bloqueados pela barreira, porém não dá mais
detalhes.
Eficácia da Barreira Amazônica
Como vimos, a Barreira Amazônica se parece com outras barreiras
biogeográficas no sentido de ser imperfeita, obstruindo a dispersão de
somente alguns organismos. Em sua análise sobre os peixes de recife, Rocha
(2003) ressaltou que, mesmo para os peixes cuja dispersão é obstruída pela
barreira, essa barreira de água doce e sedimentos não é tão eficaz como uma
barreira de terra.
Por exemplo, ele notou que "os pares da espécie do peixe de recife separados
pelo Amazonas, que começou a lançar grandes quantidades de sedimentos e água
doce no Atlântico há cerca de 10 milhões de anos, se assemelham mais do que
os pares separados pelo istmo do Panamá, que se fechou há cerca de 3 milhões
de anos". Esse fato sugere que, por longos períodos de tempo, tem havido
alguns contatos genéticos intermitentes entre os pares de peixes de cada
lado da Barreira Amazônica.
Esses contatos poderiam ocorrer, por exemplo, quando os níveis do mar
aumentam ou quando diminuem as chuvas, alterando o volume e a distribuição
da pluma de água doce que entra no Atlântico, tornando mais fácil para
alguns exemplares adultos ou larvas de espécies endêmicas de peixe
atravessarem a Barreira Amazônica (Robertson et al. 2006; Floeter et al.
2008). Assim, uma barreira de terra, como a do
istmo do Panamá, parece promover uma especiação mais rápida do que uma
barreira menos eficaz, como a Amazônica (Rocha 2003).
Neste artigo, focalizamos somente o escoamento dos rios Amazonas e Orinoco
no Oceano Atlântico, e analisamos o modo como esse maciço volume de água
doce e sedimentos age como uma barreira para a dispersão de organismos
marinhos. No entanto, muito antes de chegar ao mar, o rio Amazonas também
age como barreira à dispersão de certos organismos terrestres que vivem nas
florestas tropicais (ex.: Hayes e Sewlal, 2004). Num futuro artigo, vamos
documentar esse aspecto adicional da Barreira Amazônica.
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Informações sobre esse Artigo
Esse
artigo
também
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inglês
Autor:
Dr. Paul D. Haemig
(PhD em Ecologia Animal)
A foto no topo da página foi tirada por Carin
Araújo, da Venezuela, e mostra o pelicano-pardo, uma ave marinha encontrada
próximo à costa e cujo alcance de reprodução parece estar limitado pela Barreira
Amazônica (veja mais detalhes na Página 1).
A
citação adequada é:
Haemig PD
2011
A Barreira Amazônica. ECOLOGIA.INFO
29.
Caso
você tenha conhecimento sobre publicações científicas importantes sobre a
Barreira Amazônica que foram omitidas nesse artigo ou queira dar sugestões
para melhorá-lo, entre em contato com o autor por e-mail:
director {at}
ecology.info
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