Haemig PD  (2011Engenheiros do Ecossistema: Organismos que Criam, Modificam e Mantêm Habitats.  ECOLOGIA.INFO 12

 

Engenheiros do Ecossistema: 
Organismos que Criam, Modificam e Mantêm Habitats

Nota. Esse artigo online é continuamente atualizado e revisado logo que resultados de novas pesquisas científicas tornam-se disponíveis. Portanto, apresenta as últimas informações sobre os tópicos abordados.

Os ecologistas tradicionalmente explicam a distribuição e abundância de organismos por fatores como interações tróficas (baseadas na alimentação), competição e clima. Entretanto, atualmente tudo indica que outros fatores também são importantes. Um deles é a “engenharia do ecossistema”, que ocorre quando outros organismos (chamados “engenheiros do ecossistema”) criam, modificam e mantêm habitats.

A engenharia do ecossistema pode alterar a distribuição e a abundância de grandes números de plantas e animais, e modificar a biodiversidade de maneira significativa (Jones et al., 1994; 1997; Wright et al., 2002; Lill e Marquis, 2003). Os exemplos mais conhecidos de engenheiros do ecossistema são os seres humanos (Homo sapiens). Entretanto, este trabalho irá focar-se em engenheiros do ecossistema não-humanos e analisar as várias maneiras como eles alteram a distribuição e abundância de outros organismos.

"Engenheiros do Ecossistema" e "Engenharia do Ecossistema"

Os engenheiros do ecossistema físico são organismos que criam, modificam ou mantêm habitats (ou micro-habitats) ao causarem mudanças no estado físico de materiais bióticos e abióticos que, direta ou indiretamente, modulam a disponibilidade de recursos para outras espécies (Jones et al., 1994, 1997).

A engenharia do ecossistema consiste na “criação, modificação e manutenção de habitats [e micro-habitats] por organismos (Gutiérrez et al., 2003)." 

A engenharia do ecossistema parece ser muito comum no mundo natural (veja exemplos abaixo). Pelo fato de a maioria dos organismos afetar o ambiente físico de alguma forma, pode parecer insensato chamar a todos de "engenheiros do ecossistema". Em vez disso, Reichman e Seablom (2002ab) propuseram restringir o termo “engenheiros do ecossistema” a espécies-chave como o castor e a lagarta que constrói abrigos, que afetam intensamente outros organismos. Por outro lado, o termo “engenharia do ecossistema” pode ser utilizado para descrever as atividades de uma grande variedade de organismos que realizam atividades que fisicamente criam, modificam ou mantêm habitats, mesmo aqueles que não são influentes o bastante para serem considerados engenheiros do ecossistema (Wilby, 2002).

Engenheiros do Ecossistema Alogênicos e Autogênicos

Jones et al. (1994) distinguiu entre dois diferentes tipos de engenheiros do ecossistema físico:

1. Os engenheiros alogênicos "modificam o ambiente ao transformarem materiais viventes ou não-viventes de um estado físico para outro através de meios mecânicos ou outros".

2. Os engenheiros autogênicos "modificam o ambiente através de suas próprias estruturas físicas, isto é, seus tecidos vivos e mortos". À medida que crescem e aumentam em tamanho, seus tecidos vivos e mortos criam habitats sobre ou dentro dos quais outros organismos podem viver. 

Agora iremos analisar exemplos desses dois tipos de engenheiros do ecossistema e seus efeitos sobre a abundância e distribuição de outras espécies.

Exemplos de Engenharia Alogênica

O castor (Castor fiber e Castor canadensis) é um importante engenheiro alogênico do hemisfério norte. Ele transforma árvores vivas em árvores mortas ao cortá-las e utilizá-las para represar cursos de água, criando lagos. A engenharia do castor altera a distribuição e abundância de muitos organismos diferentes, incluindo pássaros, répteis, anfíbios, plantas, insetos, além de aumentar a biodiversidade na escala da paisagem (Wright et al., 2002). Para obter mais detalhes, consulte nossos artigos (publicados em inglês):  Beaver and Birds, Beaver and Reptiles, Beaver and Amphibians, Beaver and Invertebrates, Beaver and Trees, Ecology of the Beaver.

O porco-espinho (Hystrix indica) escava o solo em busca de alimento (raízes e tubérculos) e, portanto, abre covas que perduram por décadas. Sementes, água e outros materiais orgânicos acumulam-se nessas covas e criam micro-habitats que têm aumentado a abundância e a diversidade de plantas (Alkon, 1999; Wilby et al., 2001). Por exemplo, Boeken et al. (1995) constataram que a biomassa, a densidade e a riqueza de espécies de plantas foram mais elevadas nos buracos cavados pelos porcos-espinhos do que nas áreas de controle próximas com solo não alterado.

As lagartas construtoras constroem abrigos utilizando rolos, amarrações, dobras e tendas de folhas (Lill e Marquis, 2003). Esses novos micro-habitats (abrigos de folhas) são utilizados simultânea e subseqüentemente por muitos outros artrópodes. Um estudo de lagartas que constroem abrigos em árvores jovens de carvalho americano (Quercus alba) constatou que os abrigos de folhas aumentaram a biodiversidade dos artrópodes em toda a planta (Lill e Marquis, 2003).

As formigas colheitadeiras (Messor ebeninus) constroem montes de terra para abrigar suas colônias. Na maioria dos casos, a incidência e abundância da espécie de planta é mais elevada nesses ninhos em montes de terra da formiga colheitadeira do que no solo não alterado (Wilby et al., 2001). 

Na África, manadas de gado doméstico e ungulados selvagens ajudam os vetores do mosquito da malária humana a crescerem em abundância, pois criam micro-habitats físicos onde eles se reproduzem. A engenharia ocorre quando os ungulados selvagens e o gado visitam poços de água, onde deixam uma profusão de marcas de casco grandes e fundas no solo úmido. Essas marcas de cascos são preenchidas por água da chuva ou por infiltração e são rapidamente colonizadas por Anopheles arabiensis e Anopheles gambiae, mosquitos da malária que se reproduzem em poços de água temporários e inconstantes. Peters (1992) mostrou uma foto dessas pegadas de cascos em um local próximo a uma vila infectada pela malária em Mali, onde ambas as espécies de mosquitos foram coletadas. 

Quando os pica-paus e outros pássaros escavam buracos para seus ninhos, criam moradas não somente para si, mas para muitos outros animais. Por exemplo, na Espanha, o abelharuco comum (Merops apiaster) faz covas profundas para ninhos no solo e em penhascos verticais, os quais são subseqüentemente utilizados para a reprodução de pelo menos outras doze espécies de pássaros após o abelharuco tê-los abandonado (Casas-Crivillé e Valera, 2005). Ao fazer uma cova, estima-se que cada par de abelharuco remova 13 Kg de solo. Uma vez que o abelharuco constrói ninhos em colônias, as escavações conjuntas de vários casais resultam na redistribuição de grandes quantidades de solo e numa aceleração de processos geológicos como a erosão do solo e desbarrancamentos (Casas-Crivillé e Valera, 2005).

Exemplos de Engenharia Autogênica

Árvores, corais e algas gigantes são bons exemplos de engenheiros autogênicos. À medida que crescem e aumentam de tamanho, seus tecidos vivos e mortos criam habitats onde outros organismos poderão viver.

Quando plantas crescem sobre troncos ou galhos de árvores, em vez do solo, elas são chamadas de epífitas. Nos trópicos, os epífitos são especialmente comuns, chegando a representar até 25% de todas as espécies de plantas vasculares (Nieder et al., 2001). Uma pesquisa com 118 indivíduos da paxiúba (Socratea exorrhiza) no Panamá constatou 701 epífitos vasculares de 66 espécies (Zotz e Vollrath, 2003). Os epífitos e os animais a eles associados formam comunidades singulares nas copas das árvores nos trópicos, as quais são possíveis pela engenharia autogênica das árvores que criam os habitats (troncos e galhos de árvores) onde eles podem viver.

Os epífitos e as comunidades das copas também são encontrados em florestas temperadas.  Por exemplo, a sequóia-sempre-verde (Sequoia sempervirens), uma árvore gigantesca que cresce ao longo da costa da Califórnia e Oregon, nos Estados Unidos, geralmente proporciona suporte a significativas comunidades de epífitos porque o imenso tamanho e altura dessas árvores as tornam excelentes estruturas sobre as quais outras plantas podem crescer.  Os epífitos que crescem nas altas copas das sequóias-sempre-verdes incluem várias espécies de árvores de folhas largas, arbustos e samambaias (Sillett e Van Pelt, 2000). Um loureiro da Califórnia (Umbellularia californica [Lauraceae]) encontrado crescendo na copa de uma sequóia-sempre-verde é a mais alta árvore epifítica do mundo, crescendo em um olho do nó da sequóia-sempre-verde localizado 98,3 metros acima do solo (Sillett e Van Pelt, 2000). Muitos animais também fazem sua morada dentro ou sobre essas árvores (para obter mais detalhes sobre as plantas e animais que vivem na sequóia-sempre-verde, consulte nosso artigo: Ecology of the Coast Redwood [publicado em inglês]).

As lianas (trepadeiras lenhosas) também são engenheiros autogênicos. Por exemplo, quando crescem nos dosséis da floresta, conectam árvores, formando caminhos arbóreos utilizados na movimentação de macacos e outros animais das copas sem a necessidade de descerem até o chão (Charles-Dominique 1971; Charles-Dominique et al. 1981).  Veja a Foto 1.

A produção de conchas por moluscos é outro exemplo de engenharia autogênica (Gutiérrez et al., 2003). Em habitats aquáticos, “as conchas de moluscos são estruturas abundantes, persistentes e ubíquas” utilizadas por outros organismos para anexação e refúgio contra o "estresse de predação, físico ou fisiológico” e para “controlar o transporte de solutos e partículas no ambiente bêntico”(Gutiérrez et al., 2003)."

Engenheiros do Ecossistema e Biodiversidade

Ao criar, modificar e manter habitats, os engenheiros do ecossistema perturbam o ambiente natural, o que geralmente causa o aumento da abundância de algumas espécies e a redução de outras. Apenas dentro da área (talhão) onde a engenharia ocorre, a biodiversidade pode aumentar ou diminuir, dependendo de quais mudanças ocorreram. Entretanto, se observarmos os efeitos da engenharia em uma escala espacial mais ampla (isto é, a escala da paisagem), uma visão que inclui não apenas o talhão do habitat que sofreu engenharia, mas também os habitats nos arredores que não a sofreram, veremos que a engenharia do ecossistema torna a paisagem ecológica mais heterogênea.

Uma pergunta importante é “Será que a engenharia do ecossistema resulta em uma maior biodiversidade na escala da paisagem?”. Na região de Adirondack em Nova York, Wright et al. (2002) constataram que a engenharia do castor aumentou a riqueza de espécies (uma medida de biodiversidade) de plantas na escala da paisagem, porém esses pesquisadores concluíram que nem todos os engenheiros exerceriam tal efeito. Tomando-se a pesquisa do castor como base, eles propuseram que duas exigências deveriam ser atendidas para que os engenheiros do ecossistema aumentassem a riqueza na escala de paisagem: (1) “um engenheiro deve criar um talhão com uma combinação de condições não presentes em outros locais na paisagem”, e (2) “deve haver espécies que vivem nos talhões que sofreram engenharia que não estejam presentes nos talhões não modificados pelo engenheiro". Além disso, os talhões que sofreram engenharia não devem dominar a paisagem e se tornar tão numerosos que os talhões não afetados pela engenharia fiquem muito pequenos ou escassos para suportar a totalidade das espécies (Wright et al., 2002).

Obviamente, pode haver exceções. Por exemplo, se uma espécie for encontrada nos talhões que sofreram engenharia ou não, porém se o talhão que não sofreu engenharia for um habitat de alta mortalidade, onde a reprodução geralmente fracassa, as espécies podem depender do habitat que sofreu engenharia para sobreviver (Wright et al., 2002).

Conclusão

Nesse artigo, concentramos nossa atenção unicamente nos engenheiros do ecossistema e em suas atividades de engenharia. Este foco foi necessário porque a engenharia do ecossistema é um fator ecológico importante. Entretanto, vale lembrar que a maioria dos engenheiros do ecossistema influencia a distribuição e a abundância de outros organismos de várias maneiras, não apenas pela engenharia. Um bom exemplo pode ser visto pelas formigas que constroem montes do grupo de espécies Formica rufa na Europa, e as várias maneiras como elas afetam outras espécies de animais. Quando essas formigas constroem seus ninhos em montes (engenharia alogênica), criam novos micro-habitats que aumentam grandemente a abundância de minhocas que vivem no lixo (Laakso e Setala, 1997). Quando essas formigas atacam pássaros canores nas árvores próximas a seus ninhos em montes, elas estão empregando o comportamento de defesa territorial (competição de interferência) para afugentar os pássaros (Haemig, 1996, 1999). Por fim, quando elas atacam outros invertebrados, causando uma diminuição das populações de artrópodes dentro do território da formiga da madeira, uma interação trófica está ocorrendo (Skinner e Whittaker, 1981; Haemig, 1994). Portanto, essas formigas alteram a abundância e a distribuição de várias espécies de animais diferentes utilizando uma série de mecanismos, um dos quais é a "engenharia do ecossistema".

Referências

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Informações sobre esse Artigo

Esse artigo também está disponível nas seguintes línguas:

 espanhol    inglês

Autor: Dr. Paul D. Haemig (PhD em Ecologia Animal) - Ecology Online Sweden.

Fotografia: Os pica-paus são famosos engenheiros do ecossistema porque escavam buracos em árvores e, portanto, criam moradas para outros animais.  Foto de Richard Ditch (USA).

A citação adequada é:

Haemig PD  2011   Engenheiros do Ecossistema: Organismos que Criam, Modificam e Mantêm HabitatsECOLOGIA.INFO #12

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