Haemig PD (2011) Pássaros e Mamíferos Associados ao Bambu na Mata Atlântica. ECOLOGIA.INFO 5

 

Pássaros e Mamíferos Associados ao Bambu na Mata Atlântica

Nota. Esse artigo online é continuamente atualizado e revisado logo que resultados de novas pesquisas científicas tornam-se disponíveis. Portanto, apresenta as últimas informações sobre os tópicos abordados.

Bambus são gramíneas de colmos altos, que constituem importantes componentes de muitas florestas em regiões tropicais e temperadas (Ohrnberger 1999; Judziewicz et al. 1999). Não é surpreendente, portanto, que algumas espécies de animais estejam proximamente relacionadas aos bambus e dependam deles para a sobrevivência.

Os animais mais conhecidos como especializados em bambu são o panda gigante (Ailuropoda melanoleuca) e o panda vermelho (Ailurus fulgens) da Ásia. Esses dois membros vegetarianos da ordem Carnivora alimentam-se quase exclusivamente das folhas e do caule do bambu (para obter mais detalhes, consulte nosso artigo: Panda Gigante e Panda Vermelho Simpátricos). Nesse artigo, discutimos os pássaros e mamíferos associados ao bambu na Mata Atlântica e analisaremos os respectivos estudos de campo.

A Mata Atlântica estende-se ao longo da costa leste do Brasil, dos estados do Ceará e Rio Grande do Norte até o Paraná e o Rio Grande do Sul. Uma pequena parte dessa floresta também estende-se às regiões de países vizinhos como a Argentina (Província de Misiones) e o sudeste do Paraguai. A Mata Atlântica é separada da Floresta Amazônica por habitats mais secos como campos, savanas e caatingas, conseqüentemente possui muitas espécies de plantas tropicais e animais que não ocorrem na Floresta Amazônica.

Na verdade, a Mata Atlântica é o único local no mundo onde há a ocorrência de muitas espécies de plantas e animais. Infelizmente, em virtude do intenso desenvolvimento da região pelo homem durante várias centenas de anos, menos de 3% da Mata Atlântica original permanece intacta e muitos de seus animais e plantas exclusivos estão atualmente extintos ou ameaçados de extinção (Sick 1985; 1993; Goerck 1995, 1997).

Pássaros Especializados em Bambu

Lista dos pássaros da Mata Atlântica associados ao bambu:

    Pararu-espelho (Claravis godefrida)
   
Pichororé (Synallaxis ruficapilla)
   
Trepador-coleira (Anabazenops fuscus)
   
Barranqueiro-de-olho-branco (Automolus leucophthalmus)
   
Limpa-folha-miúdo (Anabacerthia amaurotis
   
Cisqueiro (Clibanornis dendrocolaptoides
   
Arapaçu-alfange  (Campylorhamphus falcularius)
   
Matracão (Batara cinerea
    Borralhara-assobiadora brujarara (Mackenzianena leachi)
    Borralhara-preta (Mackenzianena severa)
   
Choca-da-taquara (Biatas nigropectus)
    Trovoada-da-serra (Drymophila genei)
    Dituí (Drymophila ferruginea)
    Trovoada-de-Bertoni (Drymophila rubricollis)
    Trovoada-carijó (Drymophila malura
    Trovoada-ocre (Drymophila ochropyga)
    Olho-de-fogo-do-sol  (Pyriglena leucoptera)

   
Tovaca-serrana (Chamaeza ruficauda)
    Chupa-dente-marrom (Conopophaga lineata)
    Torom-malhado (Hylopezus ochroleucus)
    Pi-pui (Synallaxis cinerascens)
    João-oliváceo (Cranioleuca obsoleta)

    Macuquinho-pintado (Psilorhamphus guttatus)
    Macuquinho-serrano (Scytalopus speluncae)
    Maria-tesourinha (Hemitriccus furcatus)
    Maria-de-olho-falso (Hemitriccus diops)
    Maria-catraca  (Hemitriccus obsoletus)
   
Tororó (Poecilotriccus plumbeiceps)
    Maria-cabeçuda (Ramphotrigon megacephala)
    Marianinha-amarela (Capsiempis flaveola)
    Fruchu-serrano (Neopelma aurifrons)
    Cigarrinha-da-taquara (Amaurospiza moesta)
   
Cigarrinha-do-bambu (Haplospiza unicolor)
   
Pichochó (Sporophila frontalis)
   
Papa-capim-da-taquara (Sporophila falcirostris)
    Cigarrinha-do-coqueiro (Tiaris fuliginosa)

Algumas espécies da lista como o macuquinho-pintado (Psilorhamphus guttatus) e a choca-da-taquara (Biatas nigropectus) estão restritas quase que exclusivamente aos grandes talhões de bambu. Outras ocorrem em habitats adicionais, mas são mais abundantes onde o bambu é comum. Outras, ainda, ocorrem onde há vários tipos diferentes de árvores e plantas, mas usam o bambu mais exclusivamente como forragem.

A quantidade de dados sobre pássaros associados ao bambu varia. Para algumas espécies, foram realizados estudos científicos de campo, confirmando a especialização em bambu. Para outras, as impressões de um ornitólogo bem treinado são os únicos dados disponíveis.

A lista foi compilada a partir de várias referências, incluindo Sick (1985, 1993); Ridgely & Tudor (1989, 1994); Rodrigues et al. (1994), Leme (2001), Bodrati & Cockle 2006, Rajão & Cerqueira 2006, Dos Anjos et al. 2007, e Santana & Dos Anjos (2010).

Estudos de Campo de Pássaros Especializados em Bambu

Estudos pioneiros sobre a especialização em bambu dos pássaros da Mata Atlântica foram realizados na floresta montanhosa do Parque Estadual Fazenda Intervales em São Paulo. Nesse local, os bambus são abundantes, incluindo o bambu gigante (Guadua angustifolia) e várias espécies de Chusquea e Merostachys.

Numa área de estudo localizada 900 metros acima do nível do mar, Rodrigues et al. (1994) estudaram o comportamento de forragem de 2 espécies de limpa-folhas (Furnariidae) na Fazenda Intervales. Eles observaram uma dessas espécies, o trepador-coleira (Anabazenops fuscus), apenas em talhões de vegetação densa de bambu, não sendo encontrado em talhões de vegetação primária, onde o bambu era ausente. Entre o total de registros de forragem obtidos para essa espécie, a maioria constituía-se em bambu: 53% em nós, 21% nos internódios, 13% nas folhas do bambu e apenas 13% em plantas que não pertencem à família dos bambus. Em contrapartida, o limpa-folha-testa-baia (Philydor rufus), um limpa-folha relacionado que vive na mesma área, evitou o bambu. Apenas 1% dos registros de forragem para essa ave incluíram o bambu.

Numa área de estudo localizada 900 acima do nível do mar, Leme (2001) estudou quatro espécies de trovoadas (Thamnophilidae) na Fazenda Intervales. Ela constatou que os dituís (Drymophila erruginea) e trovoadas-de-bertoni (Drymophila rubricollis) preferiam forragens em arbustos de bambu, onde se alimentavam principalmente dos insetos que vivem na folhagem dessa planta. Setenta e oito por cento das árvores usadas como forragem pelos dituís eram bambu, enquanto 83% das usadas pelos trovoadas-de-bertoni também eram bambus. Em contraste, dois papa-formigas proximamente relacionados (D. malura e D. ochropyga), que também ocorriam na área, não demonstraram preferência pelo bambu.

Também na Fazenda Intervales, Olmos (1996) estudou a associação da cigarra-do-bambu ou catatau (Haplospiza unicolor) com o Chusquea aff. meyeriana, um bambu com semeadura variável (apresenta variação irregular entre anos na produção de sementes) encontrado apenas na Mata Atlântica. A cigarra-do-bambu é uma espécie irruptiva que parece percorrer a região da Mata Atlântica em busca do bambu com semeadura variável. Alimenta-se extensivamente das sementes de bambu e geralmente não é vista numa área durante anos quando os bambus não produzem sementes.

As flores começaram a crescer no Chusquea em setembro de 1988, durante o estudo de Olmos, e todos os arbustos desse bambu polinizado pelo vento floresceram em novembro. Sementes maduras caíram no chão seis meses depois entre maio e agosto de 1989.

A cigarra-do-bambu foi vista pela primeira vez na área em dezembro de 1988. Nessa época, Olmos observou machos cantores dessa espécie "sempre sobre ou muito próximos aos arbustos do Chusquea meyeriana." Em abril de 1989, Olmos encontrou cigarras-do-bambu construindo ninhos e pondo ovos. Em maio, viu “grupos familiares constituídos de um casal de macho e fêmea e 2 ou 3 filhotes. Nesse mês, ele também observou cigarras-do-bambu em forragens de sementes de bambu, “pousando nas espigas do bambu e pressionando as flores secas com o bico, uma por uma, até encontrar uma semente escondida, que seria desprendida, retirada da casca e comida”.

No final de junho a maioria das cigarras-do-bambu havia deixado a área. Portanto, o ciclo de vida da cigarra-do-bambu era sincronizado com o do bambu de semeadura variável, fazendo com que esta cigarra se reproduzisse no outono austral em vez da primavera austral.

Onde a floresta Atlântica se estende até a Argentina, Areta et al. (2009) estudaram três espécies de aves especializadas em se alimentar de sementes de bambu: o Pararu-espelho, o Pichochó e o Papa-capim-da-taquara. Eles registraram essas três espécies de aves nômades somente durante os eventos de frutificação em massa das árvores de bambu do gênero Guadua (isto é, quando esses bambus gigantes produziam uma grande quantidade de sementes).

Mamíferos Associados ao Bambu

Apenas uma espécie de mamífero da Mata Atlântica é especializada em bambu, o rato-do-taquara (Kannabateomys amblyonyx), que encontra-se desde o Espírito Santo até o Rio Grande do Sul, além da Selva Missionera nos países vizinhos da Argentina e Paraguai (Crespo 1982; Olmos et al. 1993).

O rato-do-taquara vive em bosques de bambu gigante nativo (espécie Guadua), bem como em arbustos do bambu introduzido, como o bambu chinês (Bambusa tuldoides) e a espécie Phyllostachys (Olmos et al. 1993; Stallings et al. 1994; Silva et al. 2008). Os ratos-do-taquara equipados com transmissores rastreados por rádio foram localizados fora dos talhões de bambu apenas quando se moviam de um talhão para outro (Stallings et al. 1994).

O rato-do-taquara é um grande roedor e pode chegar a pesar 600 gramas. Ele é um comedor de brotos de árvores, que se alimenta principalmente de brotos, galhos e folhas de bambu. Foi observado que se alimenta principalmente de bambus a mais de 2 metros acima do nível do solo (Olmos 1993). Diferentemente da maioria dos outros roedores, as patas do rato-do-taquara possuem longos dedos semelhantes aos dos primatas, com unhas achatadas, que permitem a firme aderência aos colmos lisos do bambu (Olmos et al. 1993). Além disso, sua atividade é principalmente noturna.

Outros roedores e bambus da Mata Atlântica: em algumas ocasiões, a semeadura variável do bambu parece provocar aumentos explosivos de curto prazo na abundância local ou densidade de outras espécies de roedores (i.e., os não especializados em bambu). Essas explosões populacionais, chamadas “ratadas”, não são bem compreendidas. Embora a semeadura variável do bambu pareça ser um fator passível de desencadear ratadas, muitas semeaduras variáveis não produzem essas explosões populacionais, o que sugere que outros fatores também são importantes (Jaksic e Lima, 2003).

Resumo e Conclusões

Conforme vimos acima, muitas espécies de pássaros e uma espécie de mamífero da Mata Atlântica estão fortemente relacionadas ao bambu, e algumas parecem depender dessa planta para sua sobrevivência. Um fato interessante é que a maioria (mais de 90%) dos pássaros e mamíferos especializados em bambu presentes na lista da Mata Atlântica são espécies endêmicas, isto é, ocorrem apenas nessa área. Ainda assim, mais espécies de animais especializados em bambu ocorrem na Amazônia (consulte nosso artigo: Pássaros da Amazônia Associados ao Bambu).

O bambu oferece muitos benefícios importantes aos animais, inclusive alimento (sementes, brotos, folhas, insetos, etc) e abrigo para proteção contra inimigos. Infelizmente, em virtude da destruição de tantas florestas nativas de bambu, muitos pássaros e mamíferos especializados nessa planta são menos abundantes na Mata Atlântica do que anteriormente. Alguns estão ainda mais escassos por terem sido pegos em armadilhas para serem vendidos em gaiolas.

Por esses motivos, vários especialistas em bambu, tais como o pararu-espelho (Claravis godefrida), o pichochó (Sporophila frontalis) e o papa-capim-da-taquara (Sporophila falcirostris) estão ameaçados atualmente e sua futura sobrevivência é incerta (Vasconcelos et al. 2005).

Referências

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Informações sobre esse Artigo

Esse artigo também está disponível nas seguintes línguas:

espanhol    inglês

Autor: Dr. Paul D. Haemig (PhD em Ecologia Animal) - Ecology Online Sweden. 

A citação adequada é:

Haemig PD  2012   Pássaros e Mamíferos Associados ao Bambu na Mata AtlânticaECOLOGIA.INFO 5

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